sexta-feira, 3 de novembro de 2017


O GANSO E A GRELHA, 24 DE JUNHO DE 1717, O QUE REALMENTE ACONTECEU ALI?

Texto do irmão Philip R. – Traduzido por Luciano R. Rodrigues

Londres, 24 de junho de 1717.

Imagine que estamos no solstício de verão, dia de São João Batista, um dia de grande festa.

Neste final de dia, as ruas estão cheias de pessoas. Entre a multidão, um homem parece estar com pressa. Tem cerca de 45 anos, usa uma peruca e veste um gibão de couro marrom, adornado com grandes botões dourados. Um terno sóbrio, sem muita elegância e desgastado, mas algo que o distingue do comum, como um cavalheiro.

Ela caminha ao longo da rua Ludgate e, finalmente, chega a Catedral de St. Paul (São Paulo). Esta nova catedral Londrina é realmente impressionante.

Construído pelo arquiteto “estrela” do momento, Sir Christopher Wren, que foi inspirado, tanto na basílica de São Pedro, em Roma, quanto na Igreja Val-de-Grâce, em Paris. Ela acaba de ser concluída a apenas alguns meses atrás, e temos de reconhecer que é uma das mais belas realizações das grandes obras de 1666, o ano do Grande Incêndio de Londres.

Um grande incêndio que durou 4 dias, engoliu mais de 13.000 casas e 87 igrejas. Um desastre inimaginável que transformou Londres em um grande canteiro de obras, por 40 anos. E uma vez que as construções de madeira foram, neste momento, proibidas, deve ser dito que os pedreiros (maçons) se beneficiaram muito.


Área atingida pelo grande incêndio de Londres no ano de 1666
Sir Christopher Wren teve um lugar de destaque nesta reconstrução. Ele estava em toda parte. Imagine que ele foi responsável pela reconstrução de mais de 50 igrejas.

Nosso homem de gibão marrom tem um compromisso junto à catedral. Ali estava a taverna “The goose and gridiron” (O ganso e a grelha).

Rapidamente, ele entrou na sala comum da taverna, no piso térreo. Como sempre, estava lotado. O taverneiro reconhece o homem e o saúda, indicando que seus amigos já tinham subido. Ele sobe as escadas, para o piso superior e bate na porta …
Este homem se chama Anthony Sayer. Em menos de uma hora, ele será eleito pelos seus pares, Primeiro Grão-Mestre da Grande Loja de Londres e Westminster.

Aqui estamos no momento crucial, que foi o ponto de partida da Maçonaria “moderna”.

Mas o que é realmente aconteceu em 24 de junho de 1717 na Taverna o Ganso e a Grelha?

Antes de tudo, o dia era realmente 24 junho?

A Inglaterra ainda não utilizava o calendário gregoriano, que só foi adotado naquele país em 1752, portanto na datação atual, o dia seria 4 de julho.
Na verdade, daquele episódio temos apenas duas referências textuais para estudar.

Duas e somente duas

Todos os comentários que podem ser encontrados sobre o tema, são derivadas do nosso famoso escritor William Preston ou das pesquisas da Ars Quatuor Coronatorum, sendo estas meramente explicações destas duas referências que temos.

A primeira e mais importante destas referências é o relato que o Doutor e Reverendo James Anderson deixou no seu “Novo Livro das Constituições de 1738”, ou seja, 21 anos mais tarde do que a data em questão.
A segunda referência é totalmente anedótica mas temos que mencioná-la. Se trata de uma publicação anônima chamada “The Complete Free-Mason or Multa Paucis for Lovers of Secrets”, publicado em 1763 ou 1764.
Nesta última, é dito que as lojas representadas eram seis e não quatro como disse Anderson.

Vejamos então a tradução feita a partir do original, do texto de James Anderson.

Novo Livro das Constituições de 1738, Dr. James Anderson

“O Rei George I entra em Londres em 20 de setembro de 1714. E após a rebelião terminada, em 1716, as poucas lojas em Londres, que tinham sido negligenciadas por Sir Christopher Wren, decidiram que seria bom se unirem e ter um Grão-Mestre como Centro de União e Harmonia, e estas são as lojas que se reuniram:

The Goose and Gridiron (O Ganso e a Grelha), na taverna em St. Paul´s Church-Yard.
The Crown (A Coroa), na taverna em Parker´s Lane perto de Drury Lane.
The Apple-Tree (A Macieira), na taverna na rua Charles, Covent Garden.
Rummer and Grape (A Taça e a Uva), na taverna em Channel-Row, Westminster.

Estes e alguns outros antigos irmãos, se encontraram na taverna Apple-Tree e colocaram no cargo, o mais antigo Mestre de Loja, formando ali mesmo uma Grande Loja temporária, na devida forma e, posteriormente, reviveram a Reunião Trimestral dos Oficiais de Lojas, chamada de Grande Loja, decidindo realizar uma Assembleia anual e festa, elegendo um Grão-Mestre dentre eles, de modo que tivessem a honra de ter um Nobre irmão para sua direção.

Consequentemente, no dia de São João Batista, no terceiro ano do Rei George I, 1717, a Assembleia e Festa dos Maçons Livres e Aceitos foi realizada na Taverna “O Ganso e a Grelha” acima mencionada. Antes do jantar, o mais antigo mestre de loja, propôs uma lista de candidatos adequados, e os irmãos elegeram por uma maioria de mãos levantadas, Anthony Sayer, Cavalheiro, Grão-Mestre dos Maçons (Jacob Lamball, Carpinteiro e o Capitão Joseph Elliot, seus Grandes Vigilantes), que imediatamente foi investido, com a insígnia do cargo e o poder de direito, pelo mestre mais antigo, e instalado e felicitado pela assembleia, que prestou homenagem a ele.

Sayer, Grão-Mestre, instruiu os Mestre e Vigilantes das Lojas para se reunirem com os Grandes Oficiais a cada trimestre, na Conferência realizada no endereço indicado, na convocação enviada pelo Cobridor. ”

É claro que não temos como atestar o relato que 21 anos mais tarde, Dr. Anderson nos apresenta.

Sabe-se que James Anderson, o “Escriba” de Desaguliers, não hesitaria como em outras questões, em “consertar” a verdade, de forma a fazer valer o projeto da nova Grande Loja.

Não tenho a intenção de entrar aqui em um estudo sistemático e profundo desse texto, mas uma vez que constitui o único relato que temos, desse evento, vamos usá-lo como o caminho para tentar entender melhor este chamado “nascimento da Maçonaria moderna”.

“Rei George I entra Londres em 20 de setembro de 1714. ”

É evidente que se trata de apoio ao rei, a nova dinastia protestante de Hanover.

Recordemos rapidamente que era início do século XVIII, a Inglaterra vivia um período de “mudanças”. Em 1701, o último filho da herdeira, Princesa Anne, morreu. A Lei de Sucessão para afastar todos os católicos da sucessão ao trono, nomeia Sophia (parente protestante mais próxima da família real britânica) e seus descendentes, os próximos na linha de sucessão. A Rainha Anne morreu em 1714 e, em seguida, o filho de Sophia, George, Príncipe-eleitor de Hanover, se tornou Rei da Inglaterra.

“E após a rebelião terminada”

A rebelião em questão é a revolta na Escócia, pelos jacobitas, partidários de Jacobo Francisco Eduardo Estuardo (em inglês, James Francis Edward Stuart), filho de James II da Inglaterra e pretendente ao trono da Inglaterra e da Escócia.

Uma violenta reação contra o Ato de União de 1707 anunciando a fusão dos dois reinos, Inglaterra e Escócia, em Reino Unido, e da supressão do Parlamento Escocês, mas também contra a Lei de Sucessão.

“1716”

Provavelmente, uma reunião preparatória teria ocorrido antes de 1717 (Anderson não nos dá o dia ou o mês). E foi certamente nessa reunião que as coisas realmente foram decididas. 1717 seria apenas o início da implementação das decisões tomadas anteriormente.

“As poucas lojas em Londres, que tinham sido negligenciadas por Sir Christopher Wren.”

É uma precisão fornecida por Anderson, e certamente nada inocente, ele diz: “As poucas lojas de Londres” e não “Algumas Lojas de Londres”.

Temos que reconhecer que, naquela época, as lojas não eram numerosas em Londres, mas está aí a tentativa de dizer que “todas” as lojas estavam relacionadas, o que mais tarde foi refutado pelos Antigos, no seu Ahiman Rezon.

Sir Christopher Wren era um personagem muito famoso na Inglaterra, sábio e arquiteto, e conhecido por seu papel na reconstrução de Londres depois do grande incêndio de 1666 e em especial, pela concepção da Catedral de São Paulo. Além disso, foi um dos fundadores da Royal Society.

Os informes da mesma Royal Society, testemunham que Wren foi “adotado” na Fraternidade de Maçons Aceitos em 18 de maio de 1691.

Atas da Loja, originalmente a nº 1 (no Ganso e a Grelha) o menciona como o “Mestre da Loja”.

E sobre o fato de que Wren teria negligenciado os maçons?
Devemos notar que as primeiras Constituições de Anderson, de 1723, não mencionam o episódio da Constituição da Grande Loja.

Seria porque Wren ainda estava vivo? Ele faleceu justamente em 1723.

“Eles decidiram que seria bom se unirem e ter um Grão-Mestre como Centro de União e Harmonia”

Anderson não nos diz nada sobre os reais motivos dessas lojas.

Foi um ato de sobrevivência para elas?
Foi para obter um melhor reconhecimento, fazendo o ofício ter maior e melhor importância?
Ou se tratava de uma “tomada de controle”, premeditada por algumas lojas, por certos atores que já tinham um projeto em mente?

“Estas são as lojas que se reuniram”

Poucas informações são conhecidas sobre estas quatro lojas fundadoras, conforme descrevo abaixo:

Nº1 – O Ganso e a Grelha

Esta loja é considerada a mais antiga das quatro, ela é de 1691. Tinha apenas 26 anos de idade em 1717.
Supõe-se que ela tinha origens operativas, em conexão com a construção da Catedral de St. Paul (1675-1710). Hoje é intitulada como “Lodge of Antiquity” (Loja da Antiguidade) e é a número 2 no Registo de Lojas da Grande Loja da Inglaterra.

Nº2 – A Coroa

Nada se sabe sobre esta loja, apenas que foi fundada em 1712. Ela não teve nenhum papel na história maçônica e se extinguiu em 1736.

Nº3 – A Macieira

Hoje ela é chamada “Lodge of Fortitude and Old Cumberland”. Na taverna Apple Tree, essa loja deu a Grande Loja, o primeiro Grão-Mestre, Anthony Sayer e seus dois Vigilantes.

Dizem que esta loja era operativa e contaria com maçons artesãos entre os seus membros.

Nº4 – A Taça e a Uva

Hoje se chama “Royal Somerset House and Inverness Lodge Nº4”. A data de criação é desconhecida, mas em uma lista de lojas de 1729, a data de fundação aparece como 1712-1716.

Ao contrário das outras lojas, esta era constituída de uma maioria de maçons “aceitos”, dos quais 10 eram nobres. Dela saiu o terceiro e quarto Grão-mestres da Grande Loja.

Era a loja de Desaguliers e sem dúvida graças a ela, a Grande Loja conseguiu um êxito extraordinário.

As 3 primeiras lojas tinham vinte membros cada uma, ao passo que a número quatro tinha mais de 70 membros.

Pode-se assustar com a “juventude” dessas lojas, pois 3 delas eram quase recém-formadas (entre 3 e 4 anos) e a mais antiga tinha 26 anos.

“Estes e alguns outros antigos irmãos, se encontraram na taverna Apple-Tree e colocaram no cargo, o mais antigo Mestre Maçom, formando ali mesmo uma Grande Loja temporária”

Podemos concluir que para a formação de uma Grande Loja temporária em 1717, o projeto foi definido bem antes, talvez em 1716.

“Posteriormente, reviveram a Reunião Trimestral dos Oficiais de Lojas, chamada de Grande Loja”

Não se sabe ao certo a que se referia a “Reunião trimestral dos oficiais das lojas, chamada de Grande Loja”.

“Decidindo realizar uma Assembleia Anual e festa, elegendo um Grão-Mestre dentre eles, de modo que tivessem a honra de ter um Nobre irmão para sua direção”

O objetivo foi lançado: “ter um nobre irmão para sua direção”. Parece então que, desde o início, a loja “Rummer and Grape” influenciou muito e tinha desenhado um projeto. Demorou quatro anos, mas acabou tendo este nobre em sua direção, já que em 1721, John Duque de Montagu, tornou-se Grão-Mestre.

“Consequentemente, no dia de São João Batista, no terceiro ano do Rei George I, 1717, a Assembleia e Festa dos Maçons Livres e Aceitos foi realizada na Taverna “O Ganso e a Grelha” acima mencionada. ”

É hora de falar um pouco sobre a famosa cervejaria (taverna) O Ganso e a Grelha.
Primeiro temos que especificar que a taverna ficava, naquela época, em um dos centros mais importantes da vida social da Inglaterra. Ali se tratavam muitos assuntos, como por exemplo, negócios, Justiça de Paz e muitas reuniões de clubes que estavam em evidência no início do século XVIII.

Durante muito tempo, as lojas continuaram a se encontrar em tavernas. Eles bebiam, comiam e fumavam em loja.

Isto é o que diz o livro “The Book of Days”, de Robert Chambers, de 1872:

“No canto noroeste da Catedral de São Paulo, se encontra uma das insígnias mais fantástica de Londres, “O Ganso e a Grelha”. Ela tornou-se famosa graças a concertos dados pela Sociedade de Músicos e seus brasões mostrando uma lira de Apolo encimada por um cisne como escudo, quando a casa foi reconstruída, estes emblemas foram transformados em um ganso e uma grelha, estando esta demonstração absurda, sobre a porta”.
Brasão da Sociedade de Músicos – O Cisne e a Lira
Sabe-se que a construção tinha 5 níveis: 3 pisos, um piso térreo e um porão. A maior sala, era a sala de jantar no primeiro piso e media não mais de 4,30 metros por 6,50 metros ou cerca de 28 metros quadrados.

Podemos nos perguntar como poderia ter sido formada a primeira Grande Loja. Você duvida que não mais de vinte pessoas poderiam ter participado?
Aqui, um detalhe que reduz a amplitude do evento pois a eleição foi em uma maioria de mãos levantadas em um espaço pequeno, de no máximo 28 metros quadrados:

“Antes do jantar, o mais antigo mestre de loja, propôs uma lista de candidatos adequados, e os irmãos elegeram por uma maioria de mãos levantadas, Anthony Sayers, Cavalheiro, Grão-Mestre dos Maçons (Jacob Lamball, Carpinteiro e o Capitão Joseph Elliot, seus Grandes Vigilantes), que imediatamente foi investido, com a insígnia do cargo e o poder de direito, pelo mestre mais antigo, e instalado e felicitado pela assembleia, que prestou homenagem a ele. ”

Não sabemos muito sobre Anthony Sayer e sobre ele, há menos informações do que qualquer outro que esteve na direção da Grande Loja. Sabe-se que ele nasceu em 1672 e morreu em janeiro de 1742, e nada mais se sabe sobre sua vida privada.

Em 1719, ele foi o 2º Grande Vigilante, e seu nome se encontra entre os membros da Old King´s Arms Lodge Nº28 de Londres, onde foi o Cobridor até o final de sua vida.

Sabemos que ele foi repreendido publicamente em 28 de agosto de 1730, por participar de reuniões ilegais de maçons descontentes, que enfrentavam a autoridade da Grande Loja.

Sabemos também que muitas vezes estava em situação difícil e pediu caridade a Old King´s Arms Lodge Nº28 em 21 de novembro de 1724, em 21 de abril de 1730 e em 17 de abril de 1741.

Ele recebeu o apoio desta loja em 02 de fevereiro de 1736 e em 3 de março de 1740. Sua morte é registrada no informe de 06 de janeiro de 1742, da Old King´s Arms Lodge Nº28.

Steven Smith, um membro da West Essex Round Table Lodge Nº 9310, disse em um excelente artigo do site Freemasonry Today, em 14 de dezembro de 2011, que a vida de Sayer não foi estudada porque não correspondia com os padrões de nobreza que a Maçonaria desejava apresentar. E, no entanto, pode ser que Sayer fosse de origem estrangeira. (Seria ele Francês?)

Concluímos com tudo isso:

1717 certamente não foi o ano de fundação da “Maçonaria moderna” como facilmente acredita-se. Talvez tenha sido em 1723, com a chegada de Desaguliers, que realmente as coisas começaram a acontecer. Lembremos que James Anderson foi quem descreveu os acontecimentos, e não se sabe se são relatos verdadeiros ou apenas uma tentativa de dar valor ao ofício, o ligando aos operativos liderados por Wren.

Descrevo aqui, o surgimento do conceito de Grande Loja “Moderna”. E é bem verdade que não é tão interessante para os Ingleses, estudar estes acontecimentos e talvez mudar a história contada.


Bibliografia:

Ilustrações da Maçonaria – William Preston
Constituição dos Maçons Livres de 1723 – James Anderson
Constituição dos Maçons Livres de 1738 (2º edição) – James Anderson
The Book of Days – Robert Chambers
Site – Freemasonry Today – http://www.freemasonrytoday.com/
Texto do irmão Philip R. – Traduzido por Luciano R. Rodrigues

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