O GRANDE ARQUITETO DO UNIVERSO NA TRADIÇÃO MAÇÔNICA FRANCESA: DIFICULDADES E INCOMPREENSÕES HISTÓRICAS.
Tradução José Filardo
Palestra proferida pelo Ir.’. Roger Dachez à The Cornerstone Society Northern Conference
Antes de mais nada, quero agradecer pelo convite especial para participar nesta reunião da Cornerstone Society, como um estudioso da maçonaria, pois parece que eu sou considerado assim com certa indulgência por algumas pessoas – e, então, como um estudioso de Maçonaria, conheço o interesse pelo trabalho dessa Sociedade.
E honestamente eu me sinto muito honrado por estar aqui hoje.
Vinte anos atrás, quando fui apresentado à pesquisa Maçônica por meu professor e Irmão René Guilly – um estudioso altamente respeitado sob o pseudônimo “Rene Desaguliers “- que me disse que sendo britânica a origem da maçonaria, não se podia entender algo sobre a Arte Real sem conhecimento suficiente da história e da cultura britânicas e também do caráter britânico – algo muito estranho para um francês!
Não me foi muito difícil aceitar este pré-requisito, porque minha avó sendo normanda, já muito pequeno estava convencido de que os meus antepassados tinham tomado parte na batalha de Hastings!
Agora, falando sério:
Durante dez anos, passei muito tempo com Robert Gould, Janmes Hugham, Herbert Poole, Harry Carr, Colyn Dyer, Eric Ward e Neville Barker Cryer – ou mais precisamente com seus livros – e tive grande prazer e satisfação intelectual ao descobrir Elias Ashmole, Randle Holme, Robert Plot e, depois, James Anderson e Jean Thophile Desaguliers– deixe-me chamá-los por seus nomes franceses – os “Antigos e Modernos” William Preston e … Todos os outros!
Do estudo de todos esses documentos, tirei a maior conclusão – ou pelo menos a que me pareceu mais importante e significativa para um estudioso francês da Maçonaria: a Maçonaria britânica não só era fascinante, mas fundamentalmente … Britânica!. Isso não é uma piada, é realmente a chave mais fundamental para se entender como se desenvolveu a Maçonaria ao longo do tempo.
Não digo isso por estar hoje na Inglaterra, falando diante de uma platéia Inglesa, e desejo fazer o público esquecer que os franceses não são pessoas sérias…
O ponto inical de minha reflexão é que a Maçonaria, quando se instalou na Europa continental e especialmente na França, aproximadamente a década de 1720, ela o fez por acidente.
Não estava no esquema normal ou cotidiano das coisas, não era uma questão planejada. O primeiro maçom na França, inglês, escocês ou irlandês não decidiu atravessar o Canal por si mesmo, mas fê-lo sob pressão de razões políticas e religiosas bem conhecidas e ocorridas em seu país de origem.
E mesmo depois de as primeiras lojas tivessem se estabelecido em Paris, sabemos que Derwentwater se opunha à admissão de membros franceses.
Infelizmente – ou pela graça de Deus, quem sabe? – poucos anos mais tarde, os irmãos franceses já eram maioria nas lojas francesas: algo aparentemente normal, mas absolutamente inesperado.
Devo insistir neste ponto que é central para minha hipótese: a primeira Maçonaria, a Maçonaria da Primeira Grande Loja não era universal no sentido amplo do termo: era “localmente” universal.
“Universal” na Grã-Bretanha onde foi, entre outras coisas, uma resposta social e intelectual aos problemas religiosos e políticos do país. Mas foi transferida para a França que era uma nação completamente diferente, especialmente de um ponto de vista político e religioso.
Durante a Idade da Razão, a Era do Iluminismo, a maçonaria francesa realmente vivia em uma ambiguidade contínua. Ambigüidade, antes de mais nada, em relação ao seu status oficial.
O Grão-Mestre por cerca de trinta anos, conde de Clermont, era um membro proeminente da família real e seu sucessor em 1771 foi o Duque de Orleans, oficialmente “O Primeiro Príncipe de Sangue Real…”, mas durante esse tempo , a Maçonaria não tinha o direito legal de existir, e nunca teve durante essa época um reconhecimento oficial de suas autoridades. Além disso, tinha sido condenada e proibida pelo papa, pela primeira vez em 1738 e novamente em 1751.
É verdade que as bulas papais nunca tiveram força de lei na França, porque o Rei – apoiado pela Igreja Francesa – se mantinha zelosamente em seu poder absoluto, embora fosse um “Rei muito cristão” e a lealdade ao trono da Igreja Católica lhe desse a maioria de sua legitimidade.
Assim, após a Revolução Francesa de 1789 e a queda do Primeiro Império, em 1815, quando a dinastia Bourbon foi restaurada, a Maçonaria foi gradualmente considerada pelas autoridades e, especialmente, pela ala direita da sociedade francesa, como um ninho de radicais, ou pelo menos de homens progressistas e perigosos, tanto em política quanto em religião.
No transcurso do século 19, para aquele que tivesse em grande apreço os ideais de tolerância, liberdade de consciência e fraternidade universal, a Maçonaria era o único lugar na França, onde ele poderia colocá-los em prática e para o fim do século, envolver-se em política. A velha monarquia francesa tomou o caminho aberto durante décadas e muito antes pela inglesa; e, portanto, a maçonaria francesa desenvolveu-se de forma diferente. É claro que não podemos ter certeza de que foi melhor, pois um historiador não é um romancista…
O malentendido fundamental entre a maçonaria britânica e a francesa, desde aquela época, não é puramente Maçônico, mas originário das muitas diferenças entre nossos dois países em termos de cultura e civilização.
Se cada um de nós tentar entender isso – abordando a natureza precisa dessas diferenças, seremos capazes de avaliar melhor a verdadeira distância entre as duas variantes de maçonaria que existe hoje em ambos os lados do Canal da Mancha, e, provavelmente, chegaremos à conclusão de que a realidade é verdadeiramente diferente de tudo o que foi dito por anos ou, pelo menos, muito mais complexa.
Gostaria, brevemente, de tentar desvendar algo que, infelizmente, continua a ocorrer: é a questão do GADU que ilustra perfeitamente o problema.
A França é um antigo país católico – não dessa “primitiva religião católica” a que se refere o primeiro Livro das Constituições compilado em 1723, é claro: A França foi a primeira grande nação dedicada inteiramente à Igreja Católica Romana – no século 19, um prelado romano a chamou “filha predileta da Igreja“.
Isto era verdade desde o batismo de Clovis, no século V até a Revolução Francesa de 1789; e continua a ser verdade ainda no século 19, mesmo quando outras revoluções foram muitas vezes hostis à Igreja; mesmo após a separação entre Igreja e Estado; e ainda hoje, segue sendo, mas em um sentido especial: é certo que a nossa nação é a mais antiga do mundo católico, embora segundo recentes pesquisas de opinião (Le Monde des Religions, Janeiro de 2007), apenas 51% dos franceses se consideram católicos, e apenas 15% frequenta uma igreja pelo menos uma vez por mês.
Mas, mais impressionante e tipicamente francês é que 50% e não mais dos católicos franceses acreditam em Deus e 80% dos restantes veem Deus como uma força, não um ser pessoal, 60% acreditam na ressurreição de Cristo e 40% na natureza trina de Deus. Finalmente, de todos eles, 60% acreditam na virgindade de Maria…
Quais eram as verdadeiros opiniões religiosas dos católicos franceses do passado?
Não podemos saber, mas eu suspeito que elas não eram diferentes das atuais. A única diferença era que antes da Revolução Francesa era proibido à pessoa declarar-se como um livre-pensador, e que em 1776 – não na Idade Média! – um jovem aristocrata, o Chevalier de la Barre, foi queimado vivo porque se recusou a descobrir sua cabeça quando passava uma procissão religiosa.
A cultura francesa, a arquitetura, a estrutura social, as instituições políticas foram profundamente influenciadas pela Igreja desde o início da França. A Igreja era um dos pilares do Rei, mas em troca era a única religião aceita.
Lembremo-nos da trágica revogação do Édito de Nantes em 1685 pelo rei Louis XIV, então todos os pastores protestantes foram ordenados a deixar o reino e todos os crentes na Fé Reformada obrigados a converter-se ao catolicismo.
Os filhos de pastores com idade inferior a 15 anos foram forçados a permanecer em França, cruelmente separados de seus pais, a fim de serem educados em famílias católicas.
Um deles conseguiu escapar escondido em um barril: seu nome era Jean Theophile Desaguliers…
Vocês sabiam que em 1877, quando o GODF (Grande Oriente de França) decidiu eliminar de suas Constituições, não a menção do GADU- não – mas a compulsiva “crença em Deus e na imortalidade da alma”, o Grão-Mestre – que naquela época se denominava “Presidente do Conselho da Ordem”- Frederic Desmons era um pastor protestante? [O GADU, estava presente em alguns outros rituais, embora opcionalmente]
Isso é realmente surpreendente? Não acho que seja.
[É uma constante entre os maçons protestantes da Europa, retirar dos ambientes maçônicos o tema da crença, resta saber qual é a razão, se porque não fazê-lo significava continuar a permitir a onipresença Católica, como expõe Dachez … e portanto, eles decidiram promover a aposta secular de remover esse viés religioso. V.G.]
Por algum motivo curioso que vocês provavelmente podem entender, porque mesmo para um pastor protestante na França, o significado da palavra “Deus” era católico!
Isso demonstra o poder da Igreja, a submissão a ela, a rejeição da liberdade de consciência em matéria religiosa. Séculos de dominação intelectual e também, muitas vezes, perseguição em nome de… “Deus”!
Vocês podem imaginar isso?
Mesmo em nossos dias, 50% dos assim chamados católicos franceses realmente não acreditam em Deus, mas não podem admitir publicamente, e de fato não poderiam ser considerados católicos!
Deixem-me lembrá-los que em 1877, nem o GODF ou qualquer outra Grande Loja da França havia suprimido a menção do GADU. Claro, provavelmente vocês sabem que hoje, na maioria das lojas do GODF não se faz referência ao Grande Arquiteto, mas que a grande maioria dos maçons franceses – incluindo muitos membros da Grande Oriente – talvez 80% deles, quando abrem ou fecham suas lojas, invocam o Grande Arquiteto.
Assim, a pergunta final é: Qual é a dificuldade especial de um maçom francês declarar que o GADU é Deus?
Não é porque eles sejam maçons especiais, bons ou maus. Senão, e só por isso, porque eles são franceses E maçons. (Nota T. No original AND em maiúsculas).
E têm que apoiar interiormente tanto a tradição maçônica, quanto a história intelectual francesa.
E uma questão adicional: Por que é tão difícil para um inglês compreender isso?
Posso sugerir que as duas perguntas têm uma resposta comum e que tentar esclarecer esta questão é também uma tarefa comum para os estudiosos maçônicos, franceses e ingleses.
Por alguns minutos, tentem entrar na mente francesa. Sim, eu sei que é complicado e que pode ser perigoso, mas acho que tal experiência pode ser de seu interesse.
Imaginem que, desde sua primeira infância tivessem sido educados em um país católico onde, em cada vila, a igreja, amada com frequência e fosse somente católica, e onde em 15 de agosto a Festa da Assunção da Virgem seja um feriado para a República e imaginem ao mesmo tempo que um século atrás, a Igreja e o Estado foram separados.
Imagine que não há lugar oficial para a religião no Estado, e ainda assim a cada ano uma missa é celebrada no início das sessões parlamentares; nenhum lugar oficial para a religião nas escolas, mas há um capelão para o catecismo na maioria delas. Um país onde existe uma palavra mágica: “secularismo” considerado um dos pilares da República, mas uma palavra francesa praticamente impossível de traduzir para outro idioma, especialmente o inglês; uma palavra que não significa liberdade para todas as religiões, nem o contrário, mas alguma coisa entre os dois. Imaginem tudo isso: não estão no País das Maravilhas de Alice ou em um mundo esquizofrênico, estão na França.
Um país onde a preocupação mais importante de todos é ter uma opinião sobre tudo e onde há alguém que se opõe àqueles que concordam e concorda quando há alguém que se opõe; um país onde a filosofia é ensinada nas escolas.
Um país, finalmente, onde 50% dos católicos não acreditam em Deus, sem problema.
E agora, voltemos aos maçons franceses. Você acha que eles vêm da lua?
Não, eles vêm de um velho país onde as palavras são como brinquedos e um dos prazeres da vida é jogar com elas. Não como um gato com um novelo de lã, mas como um gato com um rato; porque esse jogo é aparentemente fútil e cruel, mas é muito sério. É o jogo da vida.
Para os maçons franceses, a Maçonaria não é só uma sociedade fraterna, onde eles podem fazer bons amigos e exercitar a caridade para pessoas em desgraça.
Para eles, ser um membro do ofício não só é um sinal de respeitabilidade social ou uma espécie de estado religioso. Claro que para alguns deles, a maçonaria pode ser qualquer uma dessas coisas, mas fundamentalmente a maçonaria é um compromisso intelectual.
Por isso, para eles, o GADU não pode ser “simplesmente” Deus; porque “Deus” não é uma simples palavra ou não é tão simples como uma palavra. Para a maioria deles, mais uma vez, há uma “pedra de toque” moral, intelectual e espiritual na construção maçônica e a chamam GADU.
E agora .. Eu lhes mostro o meu sonho.
Será possível para os maçons em ambos os lados do Canal da Mancha, esquecer cada um a sua visão estreita e limitada do outro?
Para muitos maçons franceses, uma loja inglesa é a fachada de uma igreja paroquial, às vezes escura, seca e aborrecida. E sabemos que isso não é verdade.
Assim é que quando alguém lhes disser que uma loja francesa é a fachada de um partido político ou de uma sociedade de radicais livres-pensadores, não acredite neles.
Eu tenho um sonho: Meu sonho é que todos os maçons possam construir o Centro de União, não porque eles sejam semelhantes em todos os aspectos – eles não são, naturalmente – mas precisamente porque todos são seres humanos imperfeitos, compartilhando uma natureza – a humanidade – e um sentimento – a esperança.
Então, irmãos, tenhamos tal esperança, juntos.
Publicado por Víctor Guerra em www.ritofrances.net
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