quinta-feira, 20 de abril de 2017



A INCONFIDÊNCIA MINEIRA E TIRADENTES



Geraldo José Chaves
M.: I.: Cad. 3373 - Aug.: Resp.: e Ben.: Loja Simbólica Tiradentes nº 2 - GLMDF

Sobre Tiradentes e a inconfidência Mineira, considero enfadonho falar de uma história que todos já conhecem.

Neste breve trabalho, não trago fatos novos. Trago detalhes pouco conhecidos, que alguns historiadores, talvez por não os considerar importantes, preferem deixá-los de lado. Mas eles existem e chegaram até nós através de uns poucos estudiosos. 

O movimento separatista de Minas Gerais foi um movimento elitista, idealizado por pessoas ricas, insatisfeitas com os impostos que Portugal impunha ao Brasil.

Além da “derrama”, havia ainda a cobrança do “quinto do ouro”, que correspondia a 20% de toda a produção aurífera. Era um verdadeiro confisco. Esta situação foi a semente da Inconfidência mineira. 

Em 1788, Tiradentes ganhara um exemplar do Recueil, que era uma Coletânea de Documentos e Leis Constitutivas das Colônias Inglesas Confederadas, sob a Denominação de Estados Unidos da América Setentrional, a ele oferecido por José Álvares Maciel. Este livro, com 370 páginas, viria a se tornar na mais importante fonte de inspiração dos inconfidentes de Minas Gerais. Além do exemplar de Tiradentes, havia somente um outro na Capitania e pertencia ao Advogado residente em Mariana, Dr. José Pereira Ribeiro. 

Mas o Recueil não era perfeito. Não previa, por exemplo, a abolição da escravatura e nem permitia às mulheres votar ou serem votadas. 

Como o exemplar do Dr. Pereira Ribeiro foi destruído durante a Devassa, o único que restou foi o de Tiradentes, contendo anotações por ele feitas de próprio punho, e hoje faz parte do acervo do Arquivo da Casa do Pilar de Ouro Preto

O movimento republicano de Vila Rica dividiu-se em três grupos: o dos ideólogos, composto por Tomás Antônio Gonzaga e Cláudio Manoel da Costa; o dos ativistas, liderado por Tiradentes; e, finalmente, o grupo dos discretos, que apoiavam o movimento, mas preferiam permanecer anônimos.

No dia 15.03.1789, o Cel. Joaquim Silvério dos Reis, que também era um inconfidente, denunciou, pessoalmente, o movimento ao Visconde de Barbacena, que lhe ordenou colocar no papel tudo que lhe havia contado. Assim, em 11.04.1789, de uma localidade chamada Borda do Campo-MG, o Cel. Silvério dos Reis escreveu uma carta ao Visconde, detalhando os pormenores da denúncia.


Há, na carta, trechos interessantes, alguns dos quais transcrevo:


“...que o Desembargador Tomás Antônio Gonzaga...procurou o partido e união do Coronel Inácio José de Alvarenga e do padre José da Silva de Oliveira, e outros mais...valendo-se para seduzir a outros do alferes (pago) Joaquim José da Silva Xavier”.

E mais adiante: 

“...que a senha para o assalto havia de ser cartas dizendo tal dia é o batizado...” 

Finalmente, a revelação de Silvério dos Reis, que logo depois viria explicar por que a revolta não acontecera antes:

“...a demora desta conjuração era enquanto não se publicava a derrama”.

Em 14.03.1789, um dia antes da denúncia, o Visconde de Barbacena envia carta à Câmara Municipal de Vila Rica, suspendendo “derrama”.

Ora, se os inconfidentes apenas aguardavam a instalação da “derrama” para o início do movimento, este havia perdido inteiramente o sentido, diante da suspensão da cobrança. Deixaram de existir, portanto, as razões pelas quais Silvério dos Reis fez a denúncia. 

A partir daí, foi instalada a Devassa. Aos envolvidos foram aplicadas as severas penas previstas nas Ordenações Filipinas pelo crime de Lesa Majestade, extremamente cruéis, pois iam muito além da pessoa do acusado, atingindo a sua ascendência e a sua descendência.

As primeiras prisões e os primeiros sequestros de bens alcançaram vários inconfidentes.

De Tiradentes, por exemplo, foram confiscados 04 escravos, 08 sesmarias e títulos creditícios no valor de $ 420.000 réis. 

Os bens sequestrados aos inconfidentes presos compunham uma vasta fortuna, pois compreendiam fazendas, lavras minerais, escravos, 1.384 livros publicados em diversas línguas, 240 gramas de pedras preciosas, 1 quilo e 240 gramas de ouro em pó, e uma considerável fortuna em dinheiro, que somava 94 contos, 301.922 réis.


Tiradentes foi preso no dia 10.05.1789 por um homem chamado Antônio Diogo da Silva Parreiras. Permaneceu encarcerado por dois anos até ser enforcado.


Preso, sofreu onze interrogatórios e duas acareações. Os interrogatórios eram longos, cansativos e os interrogadores só registravam as respostas que lhes interessavam.

Talvez o mais importante interrogatório tenha sido o 4º, do qual destaco a resposta dada por Tiradentes ao seu inquisidor, o Desembargador José Pedro Machado Torres, Juiz da Devassa, que lhe perguntou se ele era o cabeça do motim, tendo Tiradentes lhe respondido o seguinte: “...que é verdade que se premeditava o levante, que ele responde confessa ter sido quem ideou tudo, sem que nenhuma outra pessoa o movesse, nem lhe inspirasse coisa alguma...”

Este trecho mostra a coragem e a firmeza com que Tiradentes enfrentou o mais cruel e o mais parcial dos julgamentos de nossa história sem denunciar qualquer de seus amigos.

Em 31.10.1791, foi nomeado como defensor dos 29 réus o Advogado José de Oliveira Fagundes, que, ao se referir ao réu Joaquim José da Silva Xavier, assim se expressou em sua defesa:

“...acha-se sem a menor dúvida provado ser ele conhecido por loquaz, sem bens, sem reputação, sem crédito para poder sublevar tão grande número quantos lhe seriam indispensáveis para o imaginário levante contra o Estado e alto poder de sua Majestade em uma Capitania como a de Minas Gerais...”.

Tiradentes foi enforcado no dia 21.04.1792, na Praça de Lampadosa, no Rio de Janeiro. Posteriormente, essa Praça passou a chamar-se PRAÇA TIRADENTES.

Um dia antes de ser enforcado, ao saber que a rainha D. Maria I concedera clemência aos seus companheiros condenados à morte, ao seu confessor, Frei Raimundo Penaforte, ele declarou: “Dez vidas eu daria se as tivesse para salvar as deles”.

Do Acórdão que condenou Tiradentes, extraí importante trecho: 

“Portanto, condenam ao réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha Tiradentes, ... a que, com baraço e pregão, seja levado pelas ruas públicas desta cidade ao lugar da forca, e nela morra morte natural para sempre, e que depois de morto lhe seja cortada a cabeça e levada a Vila Rica, onde no lugar mais público será pregada em um poste alto, até que o tempo a consuma, e o seu corpo será dividido em quatro quartos, e pregados em postes, pelo caminho de Minas, no sítio da Varginha e das Cebolas, onde o réu teve as suas infames práticas, e os mais nos sítios de maiores povoações, até que o tempo também os consuma, declaram o réu infame, e seus filhos e netos tendo-os, e os seus bens aplicam para o Fisco e a Câmara Real, e a casa em que vivia em Vila Rica será arrasada e salgada, para que nunca mais do chão se edifique...” 

Essa casa pertencia ao padre Joaquim Pereira de Magalhães.

É interessante recordar a cronologia dos acontecimentos que ocorreram antes e depois do movimento dos inconfidentes (listei, apenas os mais importantes):

- Em 24.02.1777, D. Maria I assume o trono português e governa durante 39 anos.

- Em 12.12.1782, Tomás Antônio Gonzaga se torna Ouvidor Geral e, em 1787, foi nomeado Desembargador da relação da Bahia, mas não assumiu o novo cargo, pois começava, em Vila Rica, a trabalhar as primeiras ideias da conspiração.

- Em 10.07.1788, o Visconde de Barbacena torna-se Governador de Minas, e inicia a cobrança dos impostos atrasados. Daí surgiu a “derrama”.

- Em 26.12.1788, os inconfidentes de Vila Rica realizam, na residência do Ten. Cel. Francisco de Paula Freire de Andrade, a mais importante reunião entre eles. Nesta reunião, que tudo indica ter sido uma sessão maçônica, Tiradentes teria sido exaltado e, na mesma oportunidade, propôs o modelo da nova bandeira do Brasil.

- No Ano de 1789, vários acontecimentos importantes tiveram lugar:

a) em carta datada de 14.03, o Visconde de Barbacena suspende a “derrama”;

b) no dia seguinte (15.03), Silvério dos Reis denuncia o movimento;

c) em 07.05, o Vice-Rei Luiz de Vasconcelos instaura uma devassa no Rio de Janeiro. Três dias depois, Tiradentes foi preso e conduzido ao Forte da Ilha das Cobras;

d) em 22.05, Tiradentes foi interrogado pela primeira vez. Mais dez interrogatórios e duas acareações se seguiriam;

e) em 23.05, Tomás Gonzaga e o Ten. Cel. Domingos de Abreu Vieira são presos em Vila Rica; 

f) no dia seguinte, foram presos Alvarenga Peixoto e o padre Carlos Correa e enviados para o Rio de Janeiro escoltados por contingente fortemente armado;

g) nos dias 22 e 25.05, são presos, respectivamente, o cônego Luiz Vieira, na Cidade de Mariana, e Claudio Manuel da Costa, em Vila Rica; 

h) em 12.06, o Visconde de Barbacena instaura a Devassa em Minas;

i) em 03.07, por ordem do governador, Vila Rica é ocupada por 200 soldados, para evitar qualquer tentativa de levante;

j) no dia 04.07, Claudio Manuel da Costa foi encontrado morto em sua cela. Uns diziam que foi suicídio. Outros, que ele fora assassinado. Os adeptos da tese de suicídio sustentam que Claudio estava deprimido e doente e, não suportando o sofrimento, tirou a própria vida. Os que defendem a hipótese de assassinato se baseiam em laudo pericial que afirma ter sido ele enforcado com os cadarços de seu calção;

k) em 06.07, teve início o processo da Devassa. 

- Em 1791, a Devassa foi reconvocada sob a presidência do juiz Vasconcelos Coutinho, que reinicia as prisões e os interrogatórios. 

- No dia 18.04.1792, Dona Maria perdoa os sentenciados à morte, cuja pena foi transformada em degredo perpétuo, exceto quanto a Tiradentes, que seria enforcado três dias depois;

- Em 1798, eclode na Bahia a Conjuração Baiana, conhecida como a Revolta dos Alfaiates; O principal líder desse movimento foi o político, médico, filósofo, jornalista, Deputado e Senador, Dr. Cipriano José Barata de Almeida. A exemplo da Inconfidência Mineira, também a Conjuração Baiana teve o seu traidor, o ferreiro José da Veiga, que era um dos conjurados; 


- Em 28.01.1808, D. João VI, fugindo das tropas de Napoleão, desembarca no Rio de Janeiro com uma comitiva de quinze mil pessoas e, em 1818, é aclamado rei de Portugal, Brasil e Algarves.


- Em 07.09.1822, dom Pedro I, que também era maçom, proclama a emancipação do país, rompendo definitivamente os laços com Portugal. 

TIRADENTES ERA OU NÃO MAÇOM? 

Segundo Honoré de Balzac, há duas espécies de história: a oficial, que é mentirosa, e a verdadeira, que é honesta. 

Empenhei-me na pesquisa e na busca de dados que pudessem auxiliar nas conclusões que podem ser tiradas sobre a discussão se Tiradentes era ou não maçom.

Em tese brilhantemente defendida, editada em julho de 2001, o Eminente Ir. Marco Antônio de Morais, diante das dificuldades de se encontrar comprovação histórica que pudesse indicar ter sido Tiradentes um maçom iniciado, optou, inteligentemente, por estudar o perfil sociológico do maçom no século XVIII, com o objetivo de ali encontrar traços psicológicos que pudessem identificar o perfil de Tiradentes, tendo assim se expressado:

“Será que, no plano moral, Tiradentes preenchia os requisitos mínimos para ingressar na Maçonaria? No tocante ao seu “status”, como homem culto, educado, de posses, é sabido que passava longe. E mais, não sabia guardar segredos, tinha a língua solta, haja vista que criticava o governo dentro do quartel e pregava abertamente a inconfidência”.

Conclui o Ir.: Marco Antônio, afirmando:

“Esta indagação permanecerá “ad eternum”, enquanto a própria Maçonaria, como instituição, não tomar a iniciativa de buscar a resposta...”

Não devemos esquecer que a Devassa destruiu muitos documentos sobre os inconfidentes e a Inconfidência mineira. É bem possível que, dado o ódio que a Coroa portuguesa tinha contra Tiradentes, tudo ou quase tudo que lhe dizia respeito, profissional, social ou pessoalmente, tenha sido destruído, inclusive a própria casa onde residiu, como vimos neste trabalho, quando nos referimos ao acórdão que condenou Tiradentes. Naquela época, a Maçonaria funcionava clandestinamente, pois era vítima de grande perseguição que movia o Vice-Rei e nome da Coroa Portuguesa.

Revisitando a história podemos verificar que a Maçonaria Azul, que era inglesa e monarquista, foi introduzida em nosso país entre os anos de 1760 e 1770, enquanto que a Maçonaria Vermelha (francesa e republicana) chegou até nós trazida por Manuel Inácio da Silva Alvarenga e Basílio da Gama que, juntos, fundaram, em 1780, no Rio de Janeiro, uma Loja Maçônica que, para fugir da perseguição, funcionava de forma disfarçada, sob o nome de “Sociedade Literária”.

Existem evidências históricas que ligam Tiradentes à Maçonaria, contidas em depoimentos de renomados historiadores, que podem auxiliar-nos em nossas conclusões. 

Vejamos algumas:

AUGUSTO DE LIMA JÚNIOR, nascido em Leopoldina em 1889, ao se referir a Tiradentes, em sua obra “História da Inconfidência Mineira”, assim se expressou: “Iniciado na Maçonaria, tomava parte nas reuniões desta, no Rio de Janeiro e pregava as suas doutrinas onde quer que se encontrasse”.

GUSTAVO BARROSO, que foi contemporâneo de Augusto de Lima Júnior, sustenta que a Maçonaria participou ativamente da Inconfidência Mineira, ao declarar em seu livro, “A História Secreta do Brasil”, que: “A Maçonaria entrou em cena na Inconfidência Mineira”.

VIRIATO CORRÊA, nascido em 1884, em seu livro “Terra de Santa Cruz”, escreveu: “Quando mercador ambulante, Tiradentes foi muitas vezes à Bahia para refazer o sortimento de mercadorias para seu negócio. A capital baiana era o centro de efervescência maçônica, foi mesmo o primeiro ponto de entrada da Maçonaria. E naquela época as lojas da Maçonaria eram verdadeiras oficinas revolucionárias... Numa dessas viagens, Tiradentes se fez maçom e, na atmosfera crepitante das lojas, formou o seu espírito de revolucionário”.

MÁRIO DA VEIGA CABRAL, que veio ao mundo em 1894, em sua obra, “História do Brasil”, ao descrever o encontro de Tiradentes com o Ten. Cel. Francisco de Paula Freire de Andrade, seu Comandante, ocorrido no dia 28.08.1788, fê-lo com as seguintes palavras: “Retirou-se Tiradentes satisfeitíssimo, não por saber que o Comandante tomava parte no movimento, mas por lhe ter ele dado a conhecer que também estava iniciado no misterioso trama”.

JOAQUIM NORBERTO DE SOUZA E SILVA, que nasceu em 1820 e começou a escrever sobre a Inconfidência antes de 1859 (cerca de apenas sessenta anos após a morte de Tiradentes), em seu livro, “A História da Conjuração Mineira”, leciona: “Possivelmente, Tiradentes foi iniciado na Maçonaria pelo Dr. José Alvares Maciel que, de acordo com o ritual, lhe transmitiu os sinais. Ao apresentar-se ao Comandante, Tiradentes demonstrou, provou ser maçom (renovando a prática, que tivera com Alvares Maciel) ...”

Às fls. 165 do mesmo livro, JOAQUIM NORBERTO faz outra afirmação importante: “...Tiradentes, Alvarenga e Francisco de Paula libertariam a pátria por isso que eram mazombos”. E ele próprio explica que “mazombo” significava “maçom”.

O historiador LAURO SODRÉ, que foi o 16º Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil (de 1904 a 1906), diz que Tiradentes teria sido iniciado por comunicação pelo Ir.: José Alvares Maciel. Vimos que, em 26.12.1788, em uma possível sessão maçônica na residência do Ten. Cel. Francisco de Paula, Tiradentes teria sido exaltado. 

Porém, as mais importantes informações sobre a questão nos são trazidas pelo Dr. JOAQUIM FELÍCIO DOS SANTOS, advogado e historiador, que nasceu no Serro Frio, antiga Vila do Príncipe, no dia 11.05.1822 e faleceu aos setenta e três anos de idade em uma localidade chamada Biribi, na Comarca do Tijuco, hoje Diamantina, no dia 21.10.1895. 

Vejamos o que diz o Dr. FELÍCIO:

“A Inconfidência de Minas tinha sido dirigida pela Maçonaria. Tiradentes e quase todos os conjurados eram pedreiros-livres” (Memórias do Distrito Diamantino da Comarca do Serro Frio, pág. 253). E mais adiante: “Quando Tiradentes foi removido da Bahia, trazia instruções secretas da Maçonaria para os patriotas de Minas. Em Tijuco o primeiro que se iniciou foi o padre Rolim, depois o cadete Joaquim José Vieira Couto e seus irmãos”.

Indago: como poderia Tiradentes ser portador de “instruções secretas da Maçonaria “ se não fosse ele próprio um maçom? 

Esses “patriotas de Minas” – afirma o Dr. JOAQUIM FELÍCIO – “eram todos maçons, alguns deles possivelmente iniciados por Tiradentes”.

E continua o Dr. FELÍCIO DOS SANTOS: 

“A conspiração malogrou-se. Da família Couto, o cadete Joaquim José Vieira Couto foi o único perseguido; faleceu em Tijuco em consequência de uma enfermidade adquirida na Cadeia de Vila Rica. Ainda existem pessoas que assistiram ao seu funeral: Seu cadáver ia fardado, com um ramalhete de rosas brancas na mão e REVESTIDO DAS INSÍGNIAS MAÇÔNICAS DO GRAU DE MESTRE” (grifei).

Em artigo publicado na “Revista do Arquivo Público”, o Dr. JOAQUIM FELÍCIO nos informa o seguinte: “A Maçonaria começou a introduzir-se no Brasil, pela Bahia. Sabemo-lo pelas atas publicadas pelo doutor Melo Morais (Alexandre José de Melo Morais) que a época de fundação das primeiras lojas não tem sido possível determinar. O que podemos crer é que as ideias políticas de Tiradentes nasceram do seu espírito depois que ele iniciou na Maçonaria” (grifei).

Em “Memorias do Distrito Diamantino da Comarca do Serro Frio”, publicado em 1868, o Dr. FELÍCIO, ao se referir à prisão do padre José da Silva e Oliveira Rolim e das reuniões secretas dos inconfidentes realizadas no Tijuco, escreveu: “Os conciliábulos faziam-se alta noite em casa de José da Silva e Oliveira, pai do padre Rolim; a eles concorriam as principais pessoas do Tijuco e diz-se que até o intendente Beltrão se envolvera na conjuração; mas guardava-se o maior segredo sobre as deliberações e nomes dos comprometidos. Os conjurados eram todos iniciados na Maçonaria, introduzida por Tiradentes quando por aqui passou vindo da Bahia para Vila Rica”. 

A conclusão imediata que se pode extrair deste texto do Dr. FELÍCIO DOS SANTOS é que efetivamente Tiradentes levou a Maçonaria para o Tijuco e ali fundou a primeira loja maçônica, que funcionava na casa do Senhor José da Silva e Oliveira, que era pai do padre Rolim, um dos mais atuantes inconfidentes. 

Dou importância aos depoimentos do Dr. FELÍCIO DOS SANTOS, por seis razões fundamentais:

1ª) ele nasceu apenas trinta anos após a morte de Tiradentes e começou a escrever aos trinta e nove anos de idade, sendo, portanto, seu quase contemporâneo. É importante destacar que o Dr. FELÍCIO viveu numa época em que alguns contemporâneos de Tiradentes ainda estavam vivos. Esta circunstância lhe deu a vantagem de ter tido conhecimento de muitas informações que, provavelmente, outros historiadores não tiveram, e que se perderam na Devassa;

2ª) ele nasceu, viveu, trabalhou e morreu em uma região de grande influência dos inconfidentes; 

3ª) pertenceu às primeiras gerações após a de Tiradentes;

4ª) era um renomado advogado e historiador, formado na Faculdade de Direito do Estado de São Paulo, e, por ser uma pessoa estudiosa, conhecia muito bem a história de sua Terra. Era, portanto, homem de grande ciência e respeitabilidade;

5ª) se o Dr. FELÍCIO nos dá notícia de que na sua época ainda existiam pessoas que estiveram presentes no funeral do cadete, significa que essas pessoas estavam no Tijuco quando Tiradentes fundou a Loja Maçônica e iniciou o padre Rolin e o cadete Joaquim José Vieira Couto. É óbvio que o Dr. FELÍCIO, que era um hábil causídico e renomado historiador, conheceu essas pessoas, com elas falou e com elas buscou informações. Caso contrário, ele não teria afirmado que “AINDA EXISTEM PESSOAS QUE ASSISTIRAM AO SEU FUNERAL”. Ele teria dito simplesmente o seguinte: “HÁ NOTÍCIAS DE QUE AINDA EXISTEM PESSOAS QUE ASSISTIRAM AO SEU FUNERAL”. São afirmações diferentes: a primeira traz a certeza de quem afirma; a segunda, não. 

6ª) não tenho nenhum receio em afirmar que o Dr. FELÍCIO teve contatos com pessoas que viveram no Tijuco na mesma época em que Tiradentes por lá passou e fundou uma Loja Maçônica. Aliás, em seu livro “Memórias do Distrito Diamantino”, o Dr. Joaquim Felício nos dá conta de que identificou e entrevistou duas testemunhas dos acontecimentos que desaguaram na Inconfidência Mineira, sendo elas o Tenente Joaquim de Souza Matos – oficial das antigas milícias – e Aninha Bugre, frequentadora da residência do Intendente Manuel Ferreira da Câmara Bittencourt e Sá, no município de Ipatinga-MG.

O eminente Ir.: ACIR TENÓRIO D’ALBUQUERQUE, um dos principais estudiosos da história da Maçonaria no Brasil, a quem tive a honra de conhecer pessoalmente pelos idos da década de 50, em sua obra “A Maçonaria e a Grandeza do Brasil” – Gráfica Editora Aurora Ltda, 3ª Edição, pág. 90, afirma o seguinte: “Informa-nos o Dr. Felício dos Santos que o Dr. Plácido, o Pe. Rolim e outras muitas pessoas distintas faziam parte de uma associação existente em Tijuco. E que associação era essa, cujo objetivo era promover a independência do Brasil? Era a Loja Maçônica fundada por Tiradentes” (grifei). 

Em minhas pesquisas, deparei-me com um estudo bastante interessante e valioso do Ir.: José Wilson Vilar Sampaio, membro da Academia Maçônica de Letras de Olinda-PE, do qual destaquei alguns trechos.

Diz o Ir.: José Wilson: 


“Em algumas ocasiões tivemos a oportunidade de conversar com irmãos e profanos que não acreditam na inspiração maçônica da Inconfidência Mineira e sequer que o próprio Tiradentes seria maçom. E não acreditam por conta de historiadores que à falta de documentos comprobatórios do “dedo da maçonaria” nessa rebelião, tramada contra a exploração desmedida e injusta da Metrópole que sugava sob a forma de impostos e taxas, as riquezas do Brasil colônia, insistem em negar o fato histórico.


Nós, que acreditamos no envolvimento de maçons e por extensão, da maçonaria, não só nesse como também em outros movimentos libertários acontecidos no Brasil nos séculos XVIII e XIX, respeitamos – é claro - a opinião dessas pessoas, todavia, mantemo-nos na crença de que os maçons realmente estiveram ativos na Inconfidência Mineira”.

E continua José Wilson:

“A ausência de documentação especifica nos faz evocar outros meios probantes, ou seja, uma outra maneira de confirmar um fato histórico. Para tanto nos valemos de testemunhas coevas, do conhecimento e da tradição popular acerca dos acontecimentos públicos e notórios e finalmente, do próprio desenrolar lógico de uma série de fatores que levam à certeza da existência de um determinado episódio ou ação concreta; como por exemplo: o povo fala que muitos maçons estavam envolvidos em uma conspiração; ora, diante de uma afirmação dessa natureza podemos concluir que tal conspiração teve influência maçônica, mormente se existe correlação entre o compromisso declarado dos conspiradores ou insurretos, com os objetivos defendidos pela maçonaria”

E aqui eu faço uma observação que julgo importante sobre este texto: as “testemunhas coevas” a que se refere o Ir.: José Wilson foram encontradas e entrevistadas pelo Dr. Joaquim Felício dos Santos, conforme já vimos antes.

E continua José Wilson em sua brilhante exposição, evidentemente sem querer ironizar quem quer que seja:

“Seria muito bom para a História Pátria se Tiradentes tivesse deixado sobre a revolta que iria ocorrer, várias atas das sessões maçônicas na Loja do Tijuco, ordenando ao Secretário: Meu irmão, consigne na ata o nosso plano de iniciar o movimento republicano no dia em que o Visconde de Barbacena iniciar a Derrama... todos os irmãos assinariam a ata, deixando seus nomes para facilitar o trabalho dos historiadores e, caso o movimento fracassasse, a justiça da Rainha não teria o menor trabalho jurídico na instauração do processo, pois todos seriam réus confessos”.

Faço minhas as palavras do eminente irmão José Wilson.

De tudo que foi aqui exposto, chego a três conclusões:

1ª conclusão) Não posso acreditar... não consigo acreditar que respeitados, competentes e sérios historiadores do porte de Augusto Lima Júnior, Gustavo Barroso, Viriato Corrêa, Mário da Veiga, Joaquim Norberto de Souza Silva, Lauro Sodré, Joaquim Felício dos Santos, Acir Tenório D’Albuquerque e outros, tenham todos eles incorrido em clamorosos equívocos quando declararam que Tiradentes era maçom. Por acaso teriam eles, todos eles, incorrido no mesmo erro? Jamais aceitarei a tese de que esses homens, numa demonstração de irresponsabilidade histórica, tenham legado à posteridade uma deslavada mentira. Não podemos duvidar de sua palavra, pois eles sabiam o que diziam e tinham consciência do que escreviam. 

Pergunto se seria justo e lógico aceitar que os pensadores e historiadores de nossos dias, nossos contemporâneos, que duzentos e vinte anos após a morte de Tiradentes, podem se considerar, unicamente eles, os donos da verdade histórica sobre a vida do nosso maior herói nacional? Será que os historiadores e estudiosos hodiernos possuem mais conhecimentos daquela época do que aqueles historiadores do passado, alguns nascidos no mesmo século em que morreu Tiradentes?

2ª conclusão) A Maçonaria sempre esteve ligada aos movimentos libertacionistas. Foi assim nos EUA, onde a maioria dos chamados “Pais da Pátria” pertencia à Ordem (Thomas Jefferson era Venerável Mestre quando escreveu a Declaração de Independência, em 1776); foi assim na França; e foi assim no Brasil, onde os principais líderes do movimento inconfidente eram maçons. E não apenas eles. Também o eram o Visconde de Barbacena e o Vice-Rei do Brasil, Dom Luis de Vasconcelos, dentre outros. 

3ª conclusão) Fica, portanto, muito difícil não aceitar a ideia de que Tiradentes, que foi o principal expoente da Inconfidência, não tenha sido maçom. 

Sabemos que a bandeira que seria adotada pelo Estado de Minas Gerais após a vitória do levante dos inconfidentes, como se esperava que ocorresse, foi proposta por Tiradentes, numa reunião maçônica, com o seguinte formato: um triângulo verde sobre um fundo branco. O triângulo verde era o símbolo maçônico adotado na Revolução Francesa. Por que Tiradentes iria propor, para o maior símbolo da soberania nacional, um símbolo maçônico se não fosse ele também maçom?

Os conhecimentos, informações e dados referentes a fatos e acontecimentos passados, transmitidos oralmente de geração a geração, deixam de ser verdadeiros porque não estão documentalmente comprovados. As ruínas do Templo de Salomão nunca foram localizadas. Não obstante, acreditamos firmemente que tal construção foi edificada em alguma época, embora não exista nenhum documento que comprove tal afirmativa. E a nossa crença em tal assertiva é tão forte que a construção dos templos maçônicos é inspirada no Palácio de Salomão como tal descrito na Bíblia.

Se tivermos que aceitar apenas os conhecimentos e informações que estiverem comprovados com documentos, boa parte da história do mundo terá que ser apagada de nossa memória e dos registros oficiais existentes, inclusive algumas informações bíblicas. 

Meus queridos e estimados irmãos, este trabalho não contém “achismos” nem ficção histórica criada ao sabor da conveniência ideológica atual ou de uma época passada nem se alicerça no que dizem os historiadores de hoje. Trata-se de uma pesquisa séria e consciente, estribada no que nos legaram os mais reconhecidos e diligentes historiadores do passado.

As conclusões ficam por conta daqueles que tiverem real interesse pelo tema. 

Ninguém é obrigado a crer, mas todos estão convidados a lucubrar sobre o assunto e expor seus pontos de vista a favor ou contra a tese aqui apresentada.

Geraldo José Chaves, MI, Loja Tiradentes n° 2 - GLMDF

BIBLIOGRAFIA:
- Ricardo Tosto e Paulo Guilherme M. Lopes – O PROCESSO DE TIRADENTES – Conjur Editorial, publicada em parceria com Pró-Texto Comunicação e Editora e Dublê Editorial
- Kennet Maxwell – O LIVRO DE TIRADENTES – Editora Schwarcz S/A – 2013
- A. Tenório D’Albuquerque – A MAÇONARIA E A GRANDEZA DO BRASIL – Gráfica Editora Aurora Ltda – 3ª Edição
- Rocha Pombo – HISTÓRIA DO BRASIL – Editora Melhoramentos – 1952
- Agripa Vasconcelos – SINHÁ BRABA – Editora Itatiaia Ltda – 1966
- Agripa Vasconcelos – CHICA QUE MANDA – Editora Itatiaia Ltda
- Marco Antônio de Moraes – TIRADENTES, MAÇOM INICIADO? – 2001
- Joaquim Felício dos Santos – MEMÓRIAS DO DISTRITO DIAMANTINO – Edição de 1956 




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