O Vaticano e a Maçonaria, a crônica de um mal-entendido
Por Jean François Maury - Tradução de José Filardo
Podemos falar de guerra, quando perguntamos sobre as relações conflitantes entre o Papado e a Maçonaria? Neste caso, nem armas nem sangue, apenas idéias e concepções do homem e do mundo diferem. A Igreja condenou. As razões têm variado ao longo dos séculos. Às vezes políticas, às vezes morais, às vezes doutrinais, elas se adaptaram ao contexto do tempo.
Isso não começou ontem, nem no século XVIII. Na verdade, tudo começa com o nascimento do companheirismo. Sabemos que na Idade Média, as primeiras irmandades eram de natureza religiosa. As guildas ou gildas formavam-se em torno de um “patrono”, ou seja, um santo padroeiro que, segundo a tradição, tinha praticado o ofício.
Essas irmandades rivalizavam-se financiando dentro da igreja ou da catedral, capelas finamente decoradas, mas o seu verdadeiro papel era fraternal, auxílio para viúvas, ajuda para os órfãos e apoo aos feridos no canteiro de obras. A Igreja condenou rapidamente estas confrarias, vendo nelas rival de sua onipotência.
As razões políticas para a excomunhão
No início do século XVIII, quando o iluminismo faz nascer ideias de liberdade que sacodem o jugo de uma religião de Estado, a Maçonaria especulativa que se espalha preocupa a Igreja: para os Bispos é uma heresia, mas para o papado, ela é uma conspiração.
Na verdade este tem, desde 756, um estado que lhe entregou Pepino, rei dos francos, quando de sua vitória sobre os Lombardos. Trata-se do “Patrimônio de São Pedro”. Ao longo dos séculos, ele cresceu e no século XVIII, os Estados Pontifícios são vastos: são limitado a norte pelos pequenos ducados de Parma e Modena, a oeste pelo Grão-Ducado do Toscana, ambos sob influência austríaca, enquanto que ao sul o reino das duas Sicílias fica mais próximo da coroa espanhola. O poder dos Papas sendo tanto temporal quanto espiritual, eles tentam aumentar a sua influência e subjugar os movimentos clandestinos que possa comprometer seu domínio.
Também Clemente XII não hesita em fulminar em 28 de abril de 1738, a Bula In eminenti condenando uma organização que ele não conhece, mas que lhe parece sediciosa. E a Bula declara perfidamente: “Se suas ações eram irrepreensíveis, eles não se desnudariam com tanto zelo à luz. ”
Como o demonstra o Padre Ferrer Benimeli desnudando os arquivos secretos do Vaticano, as verdadeiras razões para essa excomunhão são políticas. Trata-se menos de evitar “os grandes males que surgem em geral essas associações sempre prejudiciais à tranquilidade do Estado e à salvação das almas” que de devolver ao Grande Inquisidor de Florença, Paolo Ambrogio Ambrogi, a vantagem sobre os tribunais civis.
Para ocultar estas razões vergonhosas, a Bula se reveste de argumentos morais: acusações de “perversão” em relação aos maçons (não especificadas), sub-entendios sobre seu segredo, sem contar o juramento feito sobre a Bíblia que não poderia ser senão herético.
No entanto, conhecemos o destino desta Bula de excomunhão. Não registrada pelo Parlamento de Paris, como era o direito para todos ato pontificiais até a Concordata de 1801, ela nunca teve força de lei e tornou-se letra morta na França.
E será o mesmo para a bula de Bento XIV, Providas, promulgada em 15 de abril de 1751, que repete a condenação de seu antecessor. A novidade é o recurso à “assistência e [o] socorro de todos os príncipes e todos os poderes seculares católicos” para executar a sentença. Trata-se bem de organizar uma perseguição.
O argumento moderno
A hostilidade da Igreja não impediu, no entanto, que os maçons se desenvolvessem rapidamente: entre 1860 e 1869, há 182 lojas a mais (ou seja, um aumento de 160%), enquanto os papas sucessivos se empenham em condená-la sem procurar conhecê-la. E, no entanto, não faltam padres maçons no século XVIII!
E será Leão XIII, em sua longa “carta encíclica sobre a Maçonaria”, Humanum Genus (20 de abril 1884), quem desenvolverá o argumento moderno. A Humanum Genus começa por rejeitar, mais uma vez, “a sociedade dos maçons” no “Reino de Satanás”.
Seguem-se dois tipos de acusação: as novas políticas sobre a concepção que “os maçons se dedicam a vulgarizar e pela qual eles não param de lutar, a saber, que é essencial separar a Igreja do Estado ” (é preciso lembrar aqui a França radical do início da Terceira República), mas também uma defesa doutrinária.
Segundo a Humanum Genus, os maçons têm como missão “destruir de cima para baixo toda a disciplina religiosa e social que nasceu das instituições cristãs, e substitui-las por uma nova, adaptada às suas idéias, e cujos princípios e leis fundamentais são emprestados do naturalismo “(ver Auguste Comte). Ou “o primeiro princípio dos naturalistas é que em todas as coisas, a natureza ou a razão humana deve ser mestre ou soberana. Fora do que pode compreender a razão humana, não há nenhum dogma religioso ou verdade ou mestre na palavra de quem, em nome de seu mandato de ensino oficial, devamos ter fé. ” Essa crítica é constante a partir daí.
A Igreja sempre condena
Em 23 de Janeiro de 1983, a publicação do novo Código de Direito Canônico, promulgado por João Paulo II (Constituição Apostólica Sacrae disciplinae legis) levantou muitas esperanças. Finalmente, a Maçonaria já não era mais expressamente condenada! Mas a instituição que, em 1965, assume a continuação da Inquisição: a Congregação para a Doutrina da Fé, com, como prefeito, o cardeal Joseph Ratzinger, agora Bento XVI, fez uma última declaração oficial em 26 de novembro 1983: “O julgamento negativo da Igreja sobre as associações maçônicas permanece inalterado porque seus princípios foram sempre considerados inconciliáveis com a doutrina da Igreja”.
O ponto central da incompatibilidade é a acusação de relativismo principalmente sobre o conceito de religião: uma “religião ‘com que todos os homens concordam’ implica uma concepção relativista da religião que não é compatível com a crença fundamental do cristianismo”. Assim, para os maçons, “todas as religiões são tentativas concorrentes de expressar a verdade sobre Deus, que em última análise, permanece inacessível”.
Quanto ao nome Grande Arquiteto do Universo, que é, no entanto, um dos “atributos” de Deus reconhecidos pela Igreja, a Congregação para a Doutrina da Fé “rejeita as relações com Deus em uma posição anterior ao deísmo”, enquanto que a idéia de tolerância, não seria, como parra os católicos,” a aceitação paciente que é devida aos outros homens”, mas “a tolerância em relação a ideias, por mais opostas que elas possam ser entre si ” o que “abala a atitude do católico na fidelidade à fé e no reconhecimento dos ensinamentos da Igreja. ”
Em relação ao conceito de verdade: todo o conhecimento objetivo seria negado pelos maçons. Finalmente, se os rituais são, obviamente, estigmatizados, o que é também, surpreendentemente, é a preocupação dos maçons com o desenvolvimento ético e espiritual, descrito como “absoluto e separado da graça”. Quanto à formação da consciência e do caráter fornecida pela Maçonaria, a Igreja não pode “aceitar que uma formação deste tipo seja levada em conta por uma instituição que lhe é estranha. ” Tudo está claramente dito. Trata-se de justificar a exclusão, não de se reaproximar e, por enquanto, nenhuma reconciliação está à vista.
Padre e Maçom
A proibição está ainda em vigor. Nada foi feito ali, para alterar este julgamento sem apelação: nem a intercessão dos sacerdotes proeminentes como Padre Riquet, jesuíta de prestígio e grande resistente; nem a defesa de maçons alemães que defendiam a perseguição sofrida dos nazistas e fielmente entregaram às autoridades eclesiásticas os seus rituais e seus chamados “segredos”, pensando erradamente em conseguir convencer; nem a coragem de alguns bispos que desafiaram seus superiores para aceitar o diálogo; nem o fato de que alguns religiosos são eminentes pesquisadores no domínio maçônico, como o dominicano Jérôme Rousse-Lacordaire, ou na Espanha, o jesuíta José Antonio Ferrer Benimeli.
O Vaticano permanece fechado.
Blasfêmia e conspiração entre os companheiros
A Igreja, a partir de 832 manifesta sua hostilidade contra as sociedades de companheirismo. O Arcebispo Hincmar de Rheims condena os banquetes organizados pelas irmandades profissionais acusando-os de ser apenas bebedeiras onde a ligação fraternal seria mais pagã que cristã!
A criação do Companheirismo será uma reação contra esse sistema em torno da ideia de um Tour de France: a liberdade de contratação, liberdade de aprendizagem e liberdade de passagem. A partir daí, as autoridades religiosas e civis farão de tudo para submeter esses insurgentes. Elas denunciam as cerimônias secretas praticadas nas Lojas, rituais variados, sinais e palavras de reconhecimento, todos se escondendo atrás de um segredo inaceitável tanto pelas autoridades católicas quanto civis. Para o Estado é uma conspiração; para os religiosos uma paródia blasfema da missa. Investigações são conduzidas que resultam em anúncios em púlpito em todo o reino da França, proscrevendo, sob as penas mais graves, o ingresso em sociedades de companheirismo. Foi dado, assim, o sinal para a perseguição. Em 1641 o bispo de Toulouse excomungou todos os companheiros.
Publicado 25 de junho de 2011
http://www.fm-mag.fr/article/90/le-vatican-et-la-franc-ma%C3%A7onnerie-chronique-dune-m%C3%A9connaissance
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