quinta-feira, 12 de outubro de 2017


OS MONGES MALDITOS

CAPÍTULO XXVIII

A TINTA ASSASSINA

João Anatalino Rodriuges

A notícia da morte do papa Clemente V pegou de surpresa toda a cristandade. Principalmente em Paris, onde o rei, ainda digerindo as consequências da supressão da Ordem do Templo, procurava administrar as vozes que se ergueram contra a execução dos seus comandantes, especialmente o Grão-Mestre Jacques de Molay. Pois este, mais não fosse o primeiro mandatário de uma respeitável Ordem de Cavalaria, era um fidalgo, um nobre, um respeitável soldado, que havia prestado importantes serviços á causa da cristandade. E ainda por cima, fora padrinho de sua filha Isabel, a rainha da Inglaterra.

Essas vozes vinham principalmente da Borgonha, onde vivia Jean de Longwy, sobrinho de Jacques de Molay, o Mestre da Compagnnonage, a poderosa confraria dos pedreiros-livres de França. Dizia-se que ele estava organizando uma liga de barões, que segundo as informações que lhe haviam chegado, tinha por objetivo recuperar as prerrogativas dos senhores feudais, que ele, Filipe, havia suprimido. Mas por trás disso tudo, comentava-se á boca pequena, estava o demônio Templário a instigar uma conspiração.

O rei sabia que muita dor de cabeça poderia advir dali. Se Longwy conseguisse a adesão do baronato á sua causa, esse poder, mais o que ele já detinha como líder dos maçons, tudo começaria novamente. A supressão da Ordem do Templo, pela qual ele lutara durante sete anos, de nada adiantaria, pois uma nova organização, até mais forte que ela, pois que circunscrita apenas á França e lutando especificamente para a realização de objetivos políticos, poderia ser, talvez, até mais perigosa que o Templo.

A par disso, o papa, antes de morrer, lhe escrevera dando conta da sua desaprovação á sentença de morte prolatada contra os altos dignatários do Templo. Não era esse o desfecho que o chefe da Igreja esperava, dizia a carta. Sua Santidade contava com o fato de que tendo concordado que os bens do Templo fossem adjudicados ao Hospital de São João, e que este se comprometesse a ressarcir o tesouro francês de todas as despesas com o processo e a manutenção dos acusados durante o tempo em que ele durou, o rei teria ficado satisfeito. Essas despesas, segundo o ministro Enguerrand, superavam o valor dos bens confiscados á Ordem. Em consequência disso o Hospital ainda tivera que devolver á coroa francesa uma grande soma ao invés de receber alguma coisa. Isso era muito mais que Filipe esperava.

Clemente acreditara que o móvel de Filipe, ao investir contra o Templo, fosse apenas o desejo de apropriar-se de suas riquezas. Mas o objetivo do rei ia bem mais longe. Tratava-se, principalmente, de uma questão política. Ele havia mitigado o poder dos nobres, sufocado o poder do clero, reduzido a quase nada a capacidade de articulação dos prebostes e das organizações da sociedade civil e abafado, com violência, toda e qualquer oposição ao seu projeto de um estado nacional, submetido á tutela de um único poder, o dele. A última fortaleza a ser conquistada nessa verdadeira guerra de unificação era exatamente o Templo. Realizado o seu intento, ele não poderia deixar vivos os grandes dignatários da Ordem. Mesmo preso, definhando numa masmorra, a figura de Jacques de Molay ainda era suficientemente poderosa para suscitar ideias que precisavam ser definitivamente sepultadas. 

Tradições como aquelas que sustentavam os ideais da Cavalaria, por exemplo. Ideais que faziam dos nobres, dos cavaleiros, verdadeiros potentados que só formalmente deviam obediência ao rei. Tradições que levavam qualquer baronete a promover verdadeiras guerras civis por simples questões de divisas, ou suposta honra ofendida, ou por mera cobiça, como era aquela questão que se arrastava, já há mais de dez anos, entre membros de sua própria família, a sua prima, condessa Mafalda de Borgonha e seu sobrinho Robert, pela posse do Condado do Artois. 

Filipe sabia que sua decisão em mandar queimar os altos dignatários do Templo não tinha sido aceita com unanimidade nem no seu próprio conselho. Seu irmão Carlos, o poderoso conde de Valois, tinha sido contra todo o processo e criticara veementemente a decisão que levara de Molay e o Preceptor da Normandia á fogueira. Nesse Conselho, formado pelos pares de França, havia severas fraturas, especialmente entre Carlos de Valois e seu ministro Enguerrand de Marigny, que não se suportavam, e não fosse o fato de o rei estar entre eles, com certeza acabariam se matando num ordálio. 

Vivia-se em uma época de superstições e crendices, onde o medo do inferno era a principal arma dos clérigos para manter na linha o povo ignorante. E o temor das bruxarias e dos sortilégios um terror constante a assombrar o espírito daquela pobre gente. A morte do papa Clemente V, dada a forma que ocorrera, logo excitou a imaginação popular. Se ele fora envenenado, como muita gente logo se pôs a dizer, por que seu escudeiro, que provara a comida e a bebida que lhe fora servida em Roquemaure, não morrera também? Poucos atentaram para o fato de que o escudeiro somente provara o vinho e o papa efetivamente bebera uma jarra inteira. E que o papa já era portador de uma doença gástrica. Nem a imediata prisão do condestável de Roquemaure e a dolorosa tortura á que foram submetidos todos os empregados do castelo que cuidaram da preparação da ceia papal trouxeram qualquer esclarecimento para o caso. Messieur Jean du Pré, o misterioso vinhateiro havia desaparecido. Ninguém conseguiu encontrá-lo ou dar qualquer notícia de seu paradeiro. Era como se nunca tivesse existido. Além disso, todo o vinho que ele trouxera foi exaustivamente examinado. Nada de estranho foi encontrado nele. Era, efetivamente, uma partida dos melhores vinhos fabricados nas Côtes du Rhone. 

Então não foram poucos os que acreditaram, desde logo, que a maldição lançada por Jacques de Molay sobre o papa, o rei e sua família, começara a ser cumprida imediatamente. Assim nascem as lendas.

Mas não era só a morte de Clemente V, em circunstâncias misteriosas, que preocupava a mente de Filipe, o Belo, naquele começo do mês de maio de 1314. Porque nem bem as cinzas do Grão-Mestre o Templo e do Preceptor da Normandia tinham sido dispersas pelo vento que soprava do Sena sobre a Ilha dos Judeus, onde eles haviam sido queimados, o rei já estava a braços com um grande problema de família, que viria não só trazer-lhe uma profunda infelicidade como pessoa, mas principalmente acarretaria uma grande dificuldade para a sucessão da sua linhagem, como soberanos do reino de França. 

Essas dificuldades provinham do escândalo provocado pelas suas três noras, Margarida de Borgonha, esposa de seu filho primogênito Luís de Navarra, futuro Luís X, Branca de Borgonha, esposa do seu filho caçula, Carlos de França, que mais tarde se tornaria o rei Carlos IV, e Jeanne de Borgonha, esposa de seu filho Filipe de Poitiers, que se tornaria rei com o título de Filipe V. Duas dessas princesas, Margarida e Branca, tinham sido acusadas de adultério. E a terceira, Jeanne, foi acusada de cumplicidade. Julgadas por um tribunal composto pelo rei e seus ministros, elas foram aprisionadas e jogadas em uma masmorra. Assim começaram as desditas do rei Filipe, o Belo. 

Mas as agruras do rei estavam apenas começando. Em fins de maio de 1314, ele foi confrontando com novo infausto: a morte de seu fiel ministro Guilherme de Nogaret. Esse homem tinha sido o seu braço direito na disputa contra o papa Bonifácio VIII e no processo de destruição da Ordem do Templo. Desde os seus primeiros anos de reinado, em 1286, Nogaret fora seu principal aliado na luta que ele travava contra os nobres e a Igreja e o grande articulador de sua política de estado. Com sua natural competência para manipular leis e gerar fatos políticos que colocavam os adversários do rei em situações incontornáveis, Nogaret havia ajudado Filipe a eliminar, um a um, os inimigos do estado que ele havia se proposto a construir.

Nogaret tinha sido aluno de Pierre Flote, o grande jurista. Antes de ser chamado por Filipe para a chancelaria real, fora juiz e professor de direito. Era, antes de tudo, anticlericalista por natureza. Tinha exatamente o que Filipe precisava para ajudá-lo na sua luta para reduzir os poderes dos barões do reino e colocar a Igreja sob a sua tutela. 

Assim, durante a maior parte do reinado de Filipe, Guilherme de Nogaret tinha sido o seu maior apoio. Seus conhecimentos de jurista e suas habilidades de estadista tinham sido muito bem aproveitados pelo rei. E muito bem recompensadas também, pois Filipe fizera dele o Chanceler real em 1307, o cargo de maior poder na França. 

Odiado por muitos, temido por todos, Nogaret era a verdadeira personalidade por trás do trono. Fora ele que, juntamente com Enguerrand de Marigny dera uma estrutura administrativa de estado ao reino francês. Para isso, além de taxar as rendas da Igreja e atrair a ira do papa Bonifácio VIII, atiçara ainda mais o rei contra os Templários, visando, principalmente, o confisco dos bens da Ordem. Além disso, diminuira os privilégios da nobreza, submetendo-a ao poder real. Com tudo isso, adquiriu muito poder, mas também um grande número de inimigos. 

Nogaret era um homem forte, tinha boa saúde e hábitos moderados. Beirava os cinquenta anos e ninguém, em sã consciência, acreditaria que fosse morrer cedo, de causas naturais. Contudo, não era isento ás superstições da época. Acreditava em magia e sortilégios. Temia os demônios e as pessoas que tinham o poder de conjurá-los. Por isso, aquela maldição, lançada por Jacques de Molay, nos estertores da sua agonia, não saia da sua cabeça.

Nogaret trabalhara a vida inteira, enquanto jurista, senescal, e depois ministro plenipotenciário do rei, para anular o poder da Igreja e substitui-la pelo poder do Estado. Por isso não poupara esforços para transformar o chefe da Igreja em um refém do rei, e lutara para que em todas as dioceses do reino, os bispos fossem aliados do rei ao invés de obedecerem ao papa. Conseguira isso com a eleição de Clemente V, o papa francês, que se encastelara em Avignon, tirando a corte papal de Roma, se colocando, praticamente, sob a influência de Filipe, O Belo.

Seu ódio pela Igreja e pelo clero era uma coisa entranhada. Diziam que ele tinha raízes históricas. Pois segundo seus inimigos, Nogaret, oriundo da região do Languedoc, era descendente de uma família de cátaros e seus antepassados, na pessoa do seu avô e provavelmente seus pais, haviam sido queimados como hereges. Nunca se comprovou se isso era um fato verdadeiro, ou se eram coisas inventadas pelos seus inimigos, mas o caso é que Nogaret tinha tão pouco respeito pela Igreja quanto por suas instituições. Por isso, o mesmo ódio que votava ao papa e seus bispos ele também o dedicava ás Ordens monásticas, especialmente a Ordem do Templo. Justificava-se, dessa forma, o empenho com que ele havia trabalhado para extingui-la e mandar seus membros para a fogueira. 

Jacques de Molay, em sua pira de morte, não havia se referido expressamente a ele, Guilherme de Nogaret. A maldição que o moribundo ancião, em meio ás chamas que o consumia, havia lançado, fora explicitamente contra o rei, sua família e Clemente V. Mas Nogaret, não obstante, não conseguia evitar o mal estar que o atingia quando passava em frente à catedral de Notre Dame e olhava para aquelas estranhas figuras de gárgulas, vampiros e carrancas que ornavam o frontispício do majestoso templo. E sempre que o fazia não conseguia evitar que lhe viessem á cabeça as palavras pronunciadas por Jacques de Molay na fogueira: Nekan, Adonai! Que diabo significavam essas palavras cabalísticas, pronunciadas por um ancião no momento em que o demônio se apressava em tomar conta da sua alma? 

Nogaret, um jurista respeitado, tinha uma mente muito arguta quando se ocupava de assuntos pragmáticos. Era perito em armar conspirações para perder seus inimigos, Embora tivesse verdadeiro horror ás chamadas heresias e práticas religiosas heterodoxas, em suas diatribes contra os Templários ele tinha se valido dessa arma para montar as acusações que os levaria á extinção. 

Mas aquelas carrancas no frontispício da Igreja de Notre Dame o incomodavam. Por que razões os mestres maçons, os chamados “pedreiros do Bom Deus” teriam colocado num templo dedicado a fé cristã aquelas figuras de aparência demoníaca, que tinham muito mais a ver com a fauna do inferno do que com a visão do paraíso? Onde estaria a lógica daquela estranha perversão, que parecia estar mais de acordo com uma mente alinhada com o mundo das trevas, do que com o território da luz, para onde a Igreja deveria conduzir seus fiéis?

Ah! Os Templários. Mesmo mortos, presos ou exilados, ele os temia. Seriam mesmo adoradores do demônio, como ele fez tanta força para fazer a opinião pública acreditar que fossem? Aliás, existiria mesmo o Diabo, ou essas criaturas das trevas, que tanto assustavam os infelizes que frequentavam esses templos, ou eles seriam apenas os maus pensamentos, os vícios, a própria maldade da criatura humana que tomavam essa forma no espírito supersticioso dessa gente?

A alquimia, precisamente, tinha sido, até então, a ocupação do mestre Everardo de Evreux. Alquimista praticante, sua fama de bruxo já o acompanhava desde que saíra do condado que lhe emprestava o nome, para evitar ser envolvido em um processo por bruxaria, que lhe havia sido movido pelo bispo local. Ingressara na Ordem em 1298, onde a sua condição de letrado logo lhe granjeara facilidades numa organização na qual a maioria de seus líderes era analfabeta. Na sua condição de “praticante da Obra” trabalhava para o Templo decifrando pergaminhos, fabricando elixires e remédios que os monges guerreiros geralmente precisavam, ao mesmo tempo em que perseguia o sonho de todo Adepto, que era a sinterização da pedra filosofal. 

Amigo de Jacques de Molay e dos principais dignatários da Irmandade, para mestre Everardo a prisão e condenação dos seus protetores, juntamente com a extinção da Ordem trouxera, novamente, o problema da clandestinidade. Até então, sob a proteção do Templo, pudera praticar a sua arte sem empecilhos. Sob uma capa de mistério, a Ordem mantinha laboratórios de prática alquímica, onde os iniciados nessa estranha ciência, organizados sob um rígido sistema iniciático, trabalhavam religiosamente na procura da pedra filosofal. Esse tinha sido mais um dos segredos que os Templários tinham trazido do Oriente, na sua interação com os árabes. Com a prática da alquimia, os Templários haviam evoluído na arte de fabricar armamentos, pois o aço obtido em seus laboratórios era mais duro do que o comumente fabricado nas forjas europeias. Tinham obtido também consideráveis avanços na arte da tanoaria, melhorando consideravelmente a qualidade dos vinhos, e com a descoberta de novos ácidos que permitia a curtição de couros com mais qualidade e produtividade. Além disso, o estudo da geometria, da matemática e das artes antigas, especialmente dos caldeus e dos egípcios, que lhes foram transmitidas através dos mestres sarracenos, fizera avançar de tal maneira a ciência da metalurgia, a arquitetura e as indústrias em geral. Os chamados “homens dos templários” estavam entre os mais hábeis artesãos e profissionais da Europa. Fora essa habilidade, aplicada á indústria, paralelamente á extraordinária capacidade que seus monges desenvolveram para administrar bens e dinheiro, que fizeram da Ordem do Templo a potência econômica, política e militar que tanto incomodara Filipe em sua luta para assumir o poder absoluto em França. 

Mestre Everardo tivera a sorte de não ser implicado, de maneira fatal, nas acusações de heresia e outros crimes que foram imputados aos Templários. Não obstante, fora brutalmente torturado e tivera uma perna irremediavelmente mutilada no cavalete de tortura. Por isso coxeava de uma forma estranha, provocando comentários maldosos por onde passava. Todo coxo era bruxo, diziam. Isso o irritava de tal forma, que seu ódio pelas pessoas que fizeram aquilo com ele era o único sentimento de que ainda era capaz. Mas conseguira convencer aos inquisidores que não tinha nada a ver com as acusações que estavam sendo feitas aos Irmãos do Templo, pois ele era um dos “Homens dos Templários”, ou seja, um profissional a serviço da Ordem e não um monge cavaleiro, que participava dos “segredos” atribuídos aos iniciados. Era exatamente o contrário, mas os ignorantes prelados que faziam a Inquisição não tinham a menor idéia das coisas com as quais estavam lidando. Se soubessem, não seriam aos cavaleiros do Templo que eles teriam que mandar para a fogueira. Ah! Se soubessem dos segredos que existiam naquelas estranhas garatujas dos livros que ele lia. Se soubessem dos poderes que continham aqueles pós que ele manipulava...

A quem mestre Everardo de Evrex odiava mais? Certamente que ao rei Filipe e o papa Clemente V, os principais responsáveis por tudo aquilo. Mas ele sabia que seu ódio, dirigido áquelas figuras, era ambicioso demais. Nunca conseguiria chegar próximo o bastante do rei para “temperar” o seu vinho com um pouco de “serpente de faraó”, como o Irmão Jean Du Pré fizera com o papa Clemente. Sua fama era suficientemente conhecida para que alguém o deixasse se aproximar de um desses personagens. Ficara satisfeito e orgulhoso do seu pupilo quando soube que ele havia “justiçado” o papa. Precisava, agora, arranjar um jeito de atingir o ministro. 

Logo descobriu que Messire Nogaret se abastecia de tintas com um fornecedor da Rua Boudornnais, que por sinal comprava do seu laboratório a matéria prima com a qual fabricava as tintas que ele usava. Tinha conhecimento de que certas matérias primas, como o orpimento, o sulfato de chumbo e o de prata, o cinábrio, o fel do fígado do boi, a cola de peixe, etc. eram ingredientes usados naquelas tintas que Nogaret, em seu ofício de Ministro e principal redator dos decretos e comunicados do rei, usava. Esses materiais eram extremamente tóxicos e um pouquinho mais disso do que daquilo, uma dose a mais de sulfato de chumbo, uma pitada a mais de cinábrio, e eis um veneno que, posto diariamente sob o nariz de alguém, levaria a sua miserável alma para o inferno em poucos dias. 

Guilherme de Nogaret morreu em fins do mês de maio de 1314, exatamente trinta e três dias depois da morte do papa Clemente V, que por sua vez morrera também exatamente trinta e três dias depois da morte de Jacques de Molay.

Sua morte não tinha sido muito diferente da que atingira Clemente V, disseram as pessoas que o assistiram em seu leito de morte. Primeiro ele sentiu uma vertigem enquanto participava de uma reunião dos pares de França, que tratava de aspectos relativos à sucessão do de Clemente V. Suas pernas travaram, como se ele tivesse sido acometido de uma crise de câimbras. Levado imediatamente para um aposento no castelo real começou a vomitar as tripas. Logo o vômito se transformou num sangue pisado e nauseabundo que não deixava dúvidas que de que algum veneno muito poderoso estava agindo nas entranhas do ministro. Os médicos tentaram de tudo. Sangraram-no o quanto puderam para tirar aquilo que pensavam ser o sangue contaminado e tentaram todos os elixires possíveis e conhecidos. Fizeram-no até engolir pó de esmeraldas moídas. Mas nada adiantou. Nogaret morreu ao cabo de dez dias, depois de vomitar todo o sangue que tinha no corpo. Enquanto se transformava numa múmia em vida, delirava e gritava como um possesso: – A fogueira não! Por favor, Majestade! Eu fiz o que fiz para servir-vos! Jacques de Molay, eu vos amaldiçôo... 

Essas foram as últimas palavras de Guilherme de Nogaret, o homem que tornara possível a Filipe a extinção da Ordem do Templo. Todos, naquele quarto, que assistiram a agonia do poderoso Chanceler real e ouviram seu último suspiro, tinham suas testas franzidas e uma pergunta nos olhos: o que queria dizer Nekan, Adonai, chol, begoal? Essas tinham sido as ultimas palavras pronunciadas por Messire Guilherme de Nogaret.

Nenhum comentário:

Postar um comentário