sábado, 15 de junho de 2013

A EGRÉGORA

EGRÉGORA


UM TEMA QUE DEVERIA SER TRATADO EM TODAS AS ORDENS DE INICIAÇÃO


Dionisio E. Jara R.

A palavra Egrégora vem do grego clássico e significa vigiar, velar, estar desperto, não dormir. Por extensão, a raiz substantiva tem significado de vigília, privação do sono. Portanto, o conceito maçônico de Egregóra é “Vigilante” da Loja. Mas, também pode ser definida, como uma 

Entidade formada pelas energias dos elementos de uma Assembléia.

Rizzardo Da Camino, em seu Dicionário Maçônico, nos diz que Egrégora é um “Corpo Místico” que se forma com suas próprias peculiaridades, depois da abertura do Livro Sagrado, quando todos se unem com as mentes para o ato de crear. São muito poucos os escritores que nos entregam uma definição sobre o significado de nosso tema. Mouni Sadhu é um deles e em sua obra “O Tarot”, nos diz que a Egrégora é uma entidade coletiva, tal como uma nação, estado, sociedade, religião, seitas e seus aderentes e inclusive, organizações humanas menores. A Estrutura das Egrégoras é similar a suas representações simbolizadas, como o leão da Grã Bretanha, o gallo da França, a água da Alemanha, etc. Estas formas – como o declarou Paul Sédir, que as observou antes da primeira Guerra Mundial – podem ser vistas por uma pessoa clarividente, ou por outras com a assistência direta de um Mestre Espiritual, como foi o caso.

Em suas “Iniciações” nos conta como, pouco antes de 1914, o misteriooso Monsier Andréas lhe mostrou o futuro da Europa para alguns anos adiante. Fala da tragédia de sua amada França, que logo se enfraqueceu na primeira Guerra Mundial. Na visão seguinte, que também foi provocada pelo mesmo Andréas, também se mostrou a Sédir o passado longínquo, voltando ao tempo de Santa Jona do Arco e inclusive falou com ela e tomou parte da cerimônia mística que seguiu nas masmorras e celas do velho castelo, onde a Santa foi conduzida a prisão antes de sua execução na fogueira. Existe um momento na história, quando Sédir – como pode ver-se por sua narração - pode apreciar assim mesmo o futuro distante, provavelmente a Segunda Guerra Mundial, tão desastrosa para a França. Mas foi-lhe proibido revelar algo sobre o ocorrido, embora sua profunda preocupação ficasse em evidência através de suas tristes palavras no final do capítulo.

Em todas essas visões, a Egrégora da França tinha a forma de um gallo, enquanto que os outros estavam representados por diferentes pássaros e animais, como os comentados anteriormente. Somos forçados a fazer uma referência ao Mestre contemporâneo da antiga Ordem Russa do Martinismo, Gregory Ottonovich de Mebes, mais conhecido por suas iniciais “G.O.M.”, o qual em sua obra no idioma russo “Curso Enciclopédico de Ocultismo”, escrita na cidade de São Petesburgo, entre os anos 1911 e 1912 e traduzida para o espanhol por um antigo membro da Ordem Martinista do Chile, Sergei Veshnacov, nos faz referência no capítulo dedicado a explicação do XI Arcano, ao desenvolvimento de diversas instâncias iniciáticas, religiosas e filosóficas do ponto de vista da construção egregórica

Sua análise tem uma visão dinâmica do Tetragramaton (o nome Sagrado de Deus) e como ela se projeta em suas diversas etapas até encontrar uma solução e explicação lógica para a história e objetivos secretos das sociedades de iniciação.

No entanto, não podemos entrar no estudo de dito texto já que requer um tratamento especial e um auditório preparado para compreender tais conhecimentos. Somente o citamos para que os Irmãos etudiosos e investigadores busquem em seus profundos conhecimentos, estados superiores de aprendizagem.

O PODER DO PENSAMENTO, BASE DA CONSTRUÇÃO DE UMA EGRÉGORA

Para que uma reunião Maçônica ou de qualquer outra Ordem Iniciática tenha sucesso é necessário observar se o local destinado a reunião e ao ofício iníciatíco está preparado para o trabalho ritualístico, sem qualquer influência ou pensamento do mundo profano. 

Pelo contrário, tampouco é conveniente, este ponto de vista, que um Templo dedicado ao uso de um Ritual preciso, se converta por qualquer razão, em um local para atividades profanas. Uma Oficina maçônica deve levar a cabo tanto o desenvolvimento do Ritual como as intervenções pessoais que surgem no debate ou análise de algum ensinamento, na mais justa e completa harmonia. Se um ou mais membros da Loja estiverem pensando, por exemplo, em uma forma vaidosa de ostentação do cargo ou de usar paramentos que brilhem para a ocasião, o desejo de manifestar-se no afã de se tornar proeminente nos assuntos de Loja ou ritualísticos, trazendo consigo sentimentos pessoais tais como o da ofensa, do revanchismo, ou de estar afetado pelo ciúme ou pela inveja, o mais provável é que o exercício e o esforço para se conseguir o objetivo oculto do Ritual será algo absolutamente inútil.

De outra forma, se ao ingressar no Templo os obreiros tiverem exercitado deixar todo o pensamento, sentimento e ação profana do lado de fora, com certeza teremos uma Egrégora com efeito consideravelmente benéfico. Entendemos que a maioria dos casos é assim, como também que não temos consciência desses efeitos. A técnica recomendável para o estudo de um tema em uma Oficina em particular é que todos os seus membros se encontrem atentos sobre qual matéria estudarão. Isto permite que todos se sintam preparados antecipadamente no dia da Assembléia.

O Irmão não é responsável por desconhecer o tema que irá se tratar em Loja, mas deve ter uma compreensão inteligente daquilo que será discutido.

Sua ajuda então constituirá numa contribuição ao trabalho geral que a Loja irá empreender. Os Aprendizes, Companheiros e Mestres, tem que fazer seu trabalho, mas além de serem simples espectadores devem colaborar de forma a dar sua opinião. Isto também serve para acumular o resultado somatório que irá se observar na construção da Egrégora que se quer ter. Não é um tema fácil de entender, pois requer certa reflexão e meditação, uma vez que é necessário fixar-se no efeito exato de um pensamento bem definido e sustentado no tempo.

Todo pensamento suficientemente definido para ser digno deste homem produz dois resultados diferentes. Primeiro, deve estabelecer uma vibração definida e forte como para invadir todo o plano da compreensão mental que envolve nossos Irmãos que se encontra em nossa volta onde, da mesma forma, o desejo de ordenar que um dedo de nossa mão exerça pressão sobre uma tecla definida de um piano resulte em um som musical audível; nosso pensamento entrará na compreensão de todos que assistem o trabalho da Loja. Em segundo lugar, cada pensamento reúne a sua volta a matéria vivente do plano mental e constroi o que se denomina “forma pensamento”.

Ali está a semente do átomo pela qual se constroi a Egrégora de nossa Loja. Se nossos pensamentos e colaborações ao estudo da Loja estão radicados exclusivamente em um simples exercício mental, onde nossa ajuda resulte de algo comum e repetitivo e já se tenha sentido, como quem soma dois mais dois, tal esforço não deixa de ser simplesmente isso. Se nossa intervenção já não é uma simples exposição de palavras sem graça e sentido, mas nosso pensamento expresso pelo verbo leva a sê-lo, o senso altruísta, aspiração elevada e emoção para os ideais que professamos, então esta idéia simles como pensavámos, desenvolve a compreensão dos Irmãos centuplicando assim sua força e ação. Mas, um sentimento e um pensamento altruísta podem morrer se a sua volta moram sentimentos e vibrações inferiores tais como o egoísmo, o fanatismo ou a intolerância.

Quando um iniciado pensa em fazer contribuições bem definidas do ponto de vista da doutrina a seus Irmãos e a Loja em geral, está enviando a sua volta uma vibração potente, porque praticamente não sofre oposição igual ao barulho ou a um grande silêncio.

É como uma luz brilhante em uma noite escura. É a visão que está usando o poder de sua vibração agitando as mentes de seus pares para acordá-los do seu sono mental. É o momento em que as mentes de todos ficam esclarecidas e compreendem as múltiplas possibilidades de um pensamento bem dirigido. Isto não quer dizer que se compreende por completo as doutrinas que nos sustentam, mas os Irmãos que a escutam tendem a liberar determinadas posições no plano mental, ficando em condições de recepção e criatividade incalculáveis e benéficas.

No entanto, se o pensamento de um único Irmão produzir determinado resultado, será fácil entender que o pensamento de vinte, trinta ou mais Irmãos com a mesma finalidade terá um efeito muito maior. A força do pensamento de um grande número de Irmãos é, de longe, maior que a soma dos seus pensamentos isolados. Um pedreiro ou Irmão de qualquer ordem iniciátia consistente em pensamento e emoção com seus ideais é um centro de força que gera energia que corre em direção ao mundo profano. 

A EGREGORA E A LOJA


A construção da Egrégora de uma Loja está diretamente relacionada com vários aspectos que são importantes de se observar. De fato, quando se funda uma Loja, esta passa a existir sob a influência de certas condições que podem ser dos tipos astronômicos, astrológicos, numerológicos, cabalísticos, etc, e que afetam toda a sua vida. Algumas nascem sadias e robustas, outras débeis e doentes, permanecendo assim durante o transcurso de muitos anos. Quem tem alguma experiência em visitar Lojas de diferentes Ritos, por exemplo, pode dar conta que todas têm suas características peculiares que perduram apesar dos indivíduos que entram e saem e dos que a compoem de forma regular. De fato, estão atuantes desde sua fundação por conta de propósitos muito particulares.

Algumas Lojas levam o nome de alguma virtude, como por exemplo, “Esperança”, “União Fraternal”, “A Concórdia”, etc, outras levam o nome de personagem famosos como “San Martin”, “Mozart”, etc, e outras, nomes de santos patronos como “São João Evangelista”, Santo André de Escócia, etc. Todas elas animadas por uma idéia sustentada na inspiração que busca uma meta em particular. Estes nomes estão sustentados por pensamentos, os quais se revestem com matéria de planos super físicos e que permanecem como uma entidade independente, durante um tempo mais ou menos longo com maior ou menor atividade, segundo a sua motivação original que se lhe deu e segundo o reforço de novas correntes de pensamento. Tudo é vibração e sintonia.

Um fato que é importante considerar e que confirma o que falamos no início é que o Templo da Loja deve ser considerado como o lugar onde habita a Egrégora formada pelo pensamento coletivo de todos os Irmãos que trabalham na Oficina. O Templo é o lugar exclusivo para o trabalho de todos os maçons e não outro lugar. A construção e permanência da Egrégora não pode ser perturbada por pensamentos desarmônios, coisa que ocorre quando este lugar é utilizado para fins que não são os iniciáticos. Se um Templo é usado em outros dias da semana para atividade profanas a Egrégora sente essa desarmonia em consequência de fofocas, comentários, discussões, risadas, diversões, aromas diferentes e cheiros que emanam do consumo de cigarros, alcool, etc. Todos eles como efeitos de uma convivência social secular. A egrégora é afetada por todos esses elementos e é nosso dever impedir que entrem em nossos templos evitando que se tornem centros de atividades profanas.

Nosso interesse em embelezar o Templo deve ser permanente como o é a construção de uma Egrégora agradável que afeta de forma positiva os pensamentos daqueles que nele ingressam. Se ocorrer o contrário prejudicamos a harmonia do Templo se o deixarmos mal iluminado, sujo, com adornos de mal gosto, com os Irmãos mal vestidos, os candelabros sem luz, as paredes mal pintadas.

O Templo pode ser simples, mas deve ser escrupulosamente limpo, decorado com bom gosto para incentivar o respeito, o recolhimento e o estímulo para a emoção da arte, por que a maçonaria deve ser perfeita em todos os sentidos e a arte e a beleza são fundamentais para a evolução da Egrégora da Loja e dos Irmãos que a compõem.

A Egrégora é formada com nossos pensamentos, sentimentos e emoções, e segundo eles, reage sobre nós ajudando-nos assim que nos colocamos sob sua proteção positiva.

No Templo não deve haver nenhuma murmuração, nem ao menos qualquer pensamento ou gesto que não seja fraterno até porque um pensamento ruim é um ato antifraternal que é multiplicado quando vêm de um profano. Faz o mesmo efeito um comentário errado e intencional por parte de um profano, que uma crítica incorreta, maligna e injusta feita por um iniciado.

Portanto, todos os Irmãos devem ter cuidado para que os pensamentos sejam os mais elevados com palavras respeitosas e afetuosas. A visitas úteis e agradáveis devem ter sempre o seu lugar. Todos os membros de uma Loja são importantes. Os Irmãos com habilidades intelectuais são necessários para a orientação e convencimento; são necessários também os Irmãos de vivos sentimentos para emocionar os corações; são necessários os Irmãos de boa vontade e sempre dispostos a servir aos demais Irmãos. Se por acaso a quantidade de Irmãos for excessivo, então a construção do corpo e da alma da Egrégora também será proporcional.

As reuniões devem ser constantes e regulares e tão frequentes quando possível e os obreiros devem ser sinceros e entusiasmados com os trabalhos da Loja. 

O Grande Arquiteto do Universo é o construtor de logotipos e assim cria mundos de acordo com seus projetos e os membros da Loja criam a Egrégora segundo seus patrões de pensamentos que emitem em conjunto. É uma grande responsabilidade, mas ao mesmo tempo um grande privilégio participar de tão magnífica forma de pensamento, repleto de influências benéficas que vão ajudar a todos a ter contaco com ela (a egrégora)

Com certeza a Egrégora tem uma individualidade e é o resultado de pessoas que possuem um pensamento poderoso, forte e definido, elementos que são mais ativos no momento de definir a sua construção. No entanto se deve ter cuidado porque se todos os elementos que colaboram para construir o corpo da Egrégora são equilibrados é possível que encontremos Egrégoras de vários tipos. Alguns podem ser friamente intelectuais, outros ativos e batalhadores, outros entorpecidos e tristes, outros muito cautelosos e desconfiados. Se nós visitarmos várias Lojas e tivermos sensibilidade para captar a influência de uma Egrégora poderemos conhecer os membros que a compõe e que tipo de Irmãos sãos os que estão à sua frente. A Egrégora influencia permanentemente os membros de uma Loja, mesmo aqueles que ignoram seus pensamentos nobres são o resultado de muitos que vêm a maneira de pensar no decorrer de sua participação nas reuniões da Loja.

Finalmente e para terminar esta pequena exposição, acrescentamos que é possível construir mais de uma Egrégora para uma só Loja e acreditamos ser cada uma delas certas missões que têm de se cumprir para o bem da Loja em particular; dotá-las cada uma com uma armadura que julgarmos apropriadas e com os atributos de defesa e ataque que acreditarmos necessários.

Reservamo-nos apenas a técnica com que é possível fazer e dar forma a estes auxiliares invisíveis, já que ali está radicado o segredo real do operativo por sobre o especulativo e que deve ser necessariamente ensinado por quem de direito.

Finalmente acrescentamos que é perfeitamente possível considerar que os iniciados com capacidades inatas para o trabalho telúrgico podem construir de igual forma, como fazem para determinada Loja, a Egrégora para proteção do ambiente de sua residência ou até mesmo para a família. Isso não é nem mais nem menos do que as bases do ensino particular.

Desta forma e tendo em conta todos os aspectos antes do que dissemos e se essas formas coletivas e individuais de pensar são harmoniosamente construídas, podem, com certeza ser enriquecidas pelos últimos mestres, que são os verdadeiros guardiões da nossa tradição, e transformadas por este meio no canal pelo qual você derrama os dons do Espírito na forma quase tangível. Então a divindade invocada através do Grande Arquiteto do Universo pode concentrar sua graça na maneira de pensar que nós criamos.

Vale de Santiago do Chile, janeiro de 2044, E. V..

NOTAS:

Dionisio E. Jara R. É Venerável Mestre da Loja es Ven.·. Mestre em Santiago de Chile donde vive.

“Que a maçonaria siga não sendo nada aos olhos da ilusão, este é o melhor teste do seu valor”


Texto traduzido pelo Ir.´. José Roberto Cardoso 
Loja Estrela D´Alva nº 16 - GLMDF

segunda-feira, 10 de junho de 2013

A ORDEM DO HOSPITAL: DO REINO DE JERUSALÉM À QUEDA DE ACRE (1099-1291)


CONSIDERAÇÕES

O trabalho A SEGUIR é uma tese de pós graduação apresentado por Bruno Mosconi Ruy e Jaime Estevão dos Reis, na Universidade Estadual de Maringá, que foi encontrado em site de livre circulação na Internet.

Estava eu fazendo um trabalho de pesquisa sobre quem é, na realidade o São João patrono da Maçonaria e encontrei essa bela e explicativa Obra sobre a Ordem dos Cavaleiros Hospitalários que levou-me a outros apontamentos, textos e obras, permitindo que falasse sobre o padroeiro como sendo São João de Jerusalém o Esmoler.

Parabenizo os autores pela excelência da Obra.

Ir.´. José Roberto Cardoso
Loja Estrela D´Alva nº 16 - GLMDF


A ORDEM DO HOSPITAL: DO REINO DE JERUSALÉM À QUEDA DE ACRE (1099-1291)

Bruno Mosconi Ruy (UEM)
Jaime Estevão dos Reis (UEM)



Essa comunicação tem por finalidade abordar as peculiaridades das dinâmicas religiosas, assistenciais e militares da Ordem dos Hospitalários, bem como traçar um breve comentário dos eventos basilares de seu desenvolvimento, constituição e afirmação. As origens assistencialistas da Ordem confundem-se à história da própria peregrinação, e a legitimidade de sua atividade caritativa não raramente foi alicerçada em textos bíblicos e através do reconhecimento papal. No alvorecer do século XI, envolto em um profundo movimento de reforma e conturbação religiosa após o estabelecimento do reino de Jerusalém, o caráter assistencialista da Ordem do Hospital foi reforçado, e sua consolidação – tanto física quanto política e espiritual - foi estimulada pela generosidade dos fiéis e pela assistência principesca. A vocação militar do Hospital, inicialmente deslocada em algum lugar entre a obrigatoriedade de seu amparo médico e a defesa da fé, não foi admitida em facilidade – especialmente quando debatida no âmbito religioso. Havia a crença, não totalmente injustificada, de que a militarização implicava em desleixos no campo assistencialista da Ordem, e essa tensão evidenciou ainda mais a natureza de suas ingerências beligerantes entre os séculos XII e XIII. Neste contexto, é possível dizer que sua extensão militar desenvolveu-se gradativamente, sobretudo através de doações, como um apêndice da assistência prestada aos necessitados, e eventualmente amadureceu como foco principal de sua atividade, assegurando o seu prestígio, influência e viabilidade econômica. À instituição foi reservada a liderança de muitos processos de reconquista da santidade e, ao longo do milênio, despontou como exemplo prático de profunda adaptabilidade organizacional.

Palavras-chave: Idade Média, Ordem Militar, Hospitalários.


A ORDEM DO HOSPITAL: DO REINO DE JERUSALÉM À QUEDA DE ACRE (1099-1291)

Bruno Mosconi Ruy (UEM)
Jaime Estevão dos Reis (UEM)

Os primeiros cristãos possuíam pontos de vista extremamente divergentes sobre o conceito de “violência”, porquanto o próprio Cristo teria dito que viver pela espada implica em perecer pela espada (Mt, 26, 52). Em meados do século III, o bispo Tertuliano registrou – ainda que sem boas impressões - que os cristãos naturalmente empregavam a luta em defesa de seus ideais. Dois séculos mais tarde, Agostinho, então bispo de Hipona, argumentou que determinadas circunstâncias justificavam o recurso da guerra, tornando-a aceitável – muitas vezes imprescindível. 

Durante as primeiras cruzadas, àqueles que lutavam em nome do Deus cristão era prometida a remissão de pecados e admissão imediata no reino dos Céus, na eventualidade da morte em combate. Aos irmãos das ordens militares, eram garantidos os mesmos benefícios. É seguro dizer que, entre peregrinos e ordenados, o título “Cavaleiros de Cristo”, inicialmente atribuído a monges, popularizou-se. Para que tratemos especificamente da dinâmica das atividades religiosas, assistenciais e militares da Ordem dos Hospitalários, é imprescindível que façamos uma breve explanação das procedências dessa Ordem, de seu contexto, de seus pioneiros e dos eventos basilares de seu desenvolvimento, constituição e afirmação.

Segundo Alain Demurger, a construção dos primeiros hospícios ou hospitais foi estimulada pela generosidade e pela insistência dos fiéis e só foi alcançada através da assistência principesca (DEMURGER, 2002, p. 27-28). Em meados do século VI, o Patriarca de Alexandria, João Esmoler, tinha criado e equipado inúmeras destas instituições. De acordo com o pesquisador Harrison Smith, ele auxiliou os pobres e aconselhou a todos aqueles que se abrigavam em seus domínios. Para João, não havia insignificância em qualquer pedido de caridade. Após o saque de Jerusalém, em 614, ele também prestou ajuda aos refugiados e enviou grandes quantidades de recursos para o alívio da cidade. Ao raiar da ameaça egípcia, Esmoler retirou-se para o local de seu nascimento, em Chipre, onde morreu em novembro de 619 (SMITH, 1977, p.11). 

Depois de ter sido convertida ao cristianismo, a Imperatriz Helena - mãe do Imperador Constantino - decidiu iniciar uma jornada ao Calvário, determinada a encontrar todas as relíquias da Paixão de Cristo, em meados do século IV. Após descobrir sua localização, o Imperador Constantino ordenou a construção da Igreja do Santo Sepulcro em suas adjacências. Não tardou para que um fluxo constante de peregrinos tentasse visitar as cenas da vida terrena de seu Senhor. No ano de 865, relatos de Bernardo, o Monge, e de seus companheiros de viagem, indicam que tenham sido recebidos no hospício do imperador Carlos Magno, vizinho de uma igreja dedicada a Santa Maria, reconhecido por acolher peregrinos devotos e de língua romana. Construído nos arredores do Santo Sepulcro sob a concordância do califa Harum al-Rachid e sob constante vigilância imperial, este hospício contava com campos, jardins, bibliotecas e mais de uma dezena de casas, e nos seus arredores viria a se consolidar a militarização das Ordens.

Após a conquista muçulmana da Terra Santa, em 1023, os cristãos latinos mantiveram o direito de continuar em Jerusalém. No ano de 1027, o bizantino Constantino VIII firmou um acordo diplomático com o califado fatímida, que o permitiu restaurar as igrejas destruídas entre os anos de 985 e 1021, na época do califa al-Hakim.

Sob os cuidados do império bizantino, a reconstrução dessas igrejas provocou um enorme afluxo de gregos a Jerusalém, sobretudo, movidos por interesses comerciais. De acordo com David Nicolle, entre 1048 e 1063, mercadores amalfitanos incumbiram-se da construção do primeiro hospital bizantino nos arredores do Santo Sepulcro. 

Amalfi, então um distrito italiano, desenvolveu-se em uma importante república e somente assim adquiriu a capacidade para liderar a frente de restauração física e institucional dos edifícios latinos. A Igreja de Santa Maria Latina foi reconstruída com um mosteiro beneditino ligado a ela e, em honra aos esforços de São João Esmoler, os próprios beneditinos fundaram outro albergue para peregrinos, reformando-o e ampliando-o durante a década de 1070. Ao contrário da maioria dos hospitais latinos no Oriente Médio Islâmico, esse complexo duraria por muito tempo, e tornar-se-ia muito conhecido. Essa reputação seria suficientemente forte a ponto de ofuscar a popularidade da ortodoxia imposta pela igreja tradicional do Santo Sepulcro (NICOLLE, 2008, p. 14).

Segundo Helen Nicholson, instituições como essas se tornaram comuns na Europa em meados do século XI. Esse movimento de reforma e conturbação religiosa estimulou o surgimento de muitos movimentos monásticos radicais, e uma multiplicidade de casas contemplativas com os mais sortidos propósitos, povoadas por indivíduos com variados níveis de fé e devoção. Entre eles destacavam-se eremitas, padres que viviam em grupos, anacoretas e idosos e crianças das mais diversas localidades, que garantiriam aos futuros hospitais de Jerusalém uma flexibilidade e um alto nível de adaptabilidade religiosa, com ênfase não apenas na espiritualidade, mas também na capacidade de proporcionar condições mais dignas a quem quer que lhes clamasse por ajuda (NICHOLSON, 2001, p. 1-4).

A década entre 1070 e 1080 marcou uma aceleração no processo de adaptação e restauração Hospitalária. Em Jerusalém, os amalfitanos acrescentaram à igreja e ao mosteiro de Santa Maria um oratório feminino, dedicado à Santa Maria Madalena e, no ano de 1102, um mosteiro feminino sob o nome de Santa Maria Grande. A despeito do conforto oferecido e das dimensões absolutamente amplas do lugar, logo o complexo não bastou para alojar o grande fluxo de peregrinos, o que estimulou a construção de um hospital cuja capela foi objetivamente dedicada a São João Esmoler. O monacato confiou a gerência do Hospital a um leigo, irmão Gerardo, lembrado em muitas crônicas medievais como um homem pio e venerável, tendo ele mesmo sofrido na pele os horrores do barbarismo (NICHOLSON, 2001, p. 4-5). 

De acordo com os estudos de Desmond Seward, o aumento no número de peregrinos estimulou o Hospital e seu convento a reorganizarem-se (SEWARD, 1972, p. 21). Após a tomada de Jerusalém, Pascoal II postulou a bula Pie postulatio voluntatis, que reconheceu os hospícios como estabelecimentos independentes, colocados diretamente sob a proteção do Papa. Essa bula, de 1113, criava uma ordem internacional filiando a ela todos os hospitais criados na Europa. Neste contexto, Gerardo foi capaz de erguer um novo hospital, ainda maior, adquirindo a igreja vizinha de São João Batista ao também libertar o estabelecimento da tutela beneditina. Segundo Florencio Huerta Garcia, a Ordem passou a se beneficiar com a generosidade de muitos cavaleiros e nobres, e já começava a acumular propriedades na França, Itália e Espanha (GARCIA et al., 1991, p. 25-37). 

Em posse destes bens, o Hospital iniciou o estabelecimento de diversas casas de assistência espalhadas por locais estratégicos da Europa, sobretudo ao longo das rotas de peregrinação. Na alvorada do sucesso da primeira Cruzada, o Hospital de São João recebeu ainda mais doações dos cruzados já estabelecidos nas terras conquistadas do Oriente, bem como de anônimos por toda a Europa, cuja ambição em auxiliar a Ordem se justificava pelo anseio em purificar a alma dos pecados terrenos. Esse enorme e constante fluxo de terras e riquezas iniciais contribuiria substancialmente para a consolidação da independência hospitalária, livrando-a dos laços econômicos que de certa forma ainda atavam a Ordem às antigas instituições que a suportaram.

Gerardo morreu em 1118. Seu sucessor, o francês Raimundo de Le Puy, alterou fundamentalmente o direcionamento da Ordem, que até então possuía apenas desígnios caritativos. Quase simultaneamente, os Templários também se tornaram independentes dos beneditinos, sobretudo através da pesada influência de São Bernardo de Claraval. Foi São Bernardo, uma das figuras internacionais mais influentes da época, que forneceu a justificativa teológica para todas as Ordens militares. Ele esteve presente no Concílio de Troyes, quando a Ordem do Templo recebeu a aprovação oficial da Igreja, e Hugo de Payns, o primeiro mestre dos Templários, recorreu a ele para escrever um sermão encorajador aos cavaleiros. 

Bernardo eventualmente lhes escreveu uma carta em louvor, declarando que os irmãos desejavam morrer por Cristo na eterna jornada contra os infiéis. Matar por Cristo era um “malecídio”, não um homicídio, e tal doutrina seria abraçada e contemplada por séculos. Tratava-se, portanto, do extermínio do mal, e não propriamente de assassinatos infundados. Matar um pagão era conquistar a glória eterna em Cristo, e para Cristo. Morrer em batalha, por sua vez, viria a imortalizar a vítima como um mártir, e os Céus jamais recusariam uma alma em martírio.

A carta de Bernardo circulou amplamente, e seu argumento parece ter sido adotado por muitos outros escritores, pensadores e líderes contemporâneos. Raimundo de Le Puy seguiu o exemplo dos Templários, e uma inspiração militar foi cirurgicamente “enxertada” nos Hospitalários. Há evidências de que leigos doadores preferiam apoiar o envolvimento militar na defesa da Terra Santa ao invés de prezar pelo zelo a doentes e feridos. A origem da militarização da Ordem pode ter sido, ao menos em parte, uma resposta direta a esta preferência. Ao mesmo tempo, Raimundo de Le Puy tentava reforçar o seu propósito pacífico, oficialmente acrescentando o cuidado dos doentes aos deveres assistencialistas de albergues de peregrinos e cruzados. 

No intuito de adequar tais modificações à dinâmica do cenário, Raimundo de Le Puy alterou profundamente a Regra da Ordem, em consonância com a Constituição dos Cavaleiros do Templo (SEWARD, 1972, p. 30). Neste ínterim, e quase imperceptivelmente, o patronato de João Esmoler foi substituído pela proteção de São João Batista. É provável que tenha existido uma ligação direta entre a construção de novos hospitais, a ruptura com os beneditinos e a mudança de padroeiro, pois São João Batista era seguramente mais prestigiado e conhecido entre os peregrinos ocidentais. A mudança de patrocínio também pode ser justificada pelo fato de que em algum momento a Ordem incorporou às suas fundações um antigo mosteiro grego das adjacências da Igreja de São João Batista. 

Depois que o reino de Jerusalém foi estabelecido, no ano de 1100, a dinâmica do hospital de Jerusalém gradativamente tornou-se mais francesa do que italiana, e mais bélica conforme a caridosa herança amalfitana de seus fundadores desaparecia. Tanto Hospitalários quanto Templários, embora independentes e sujeitos apenas à jurisdição do Papa, contaram com o apoio integral de Balduíno II, que sucedeu seu primo. Eles forneciam aquilo que o reino mais precisava: uma fonte regular de soldados treinados e disciplinados. Contudo, como a Ordem do Templo provavelmente foi a primeira Ordem religioso-militar, é pouco provável que a Ordem do Hospital tenha encontrado espaço para tal transição em períodos anteriores. Como indicam os estudos de Luis García-Guijarro Ramos, em 1126, os Hospitalários contam com a presença de um comandante supremo na ordem, mas isso significava apenas que possuíam cavalos e estrebarias, e não um contingente propriamente militar. A guarda dos castelos surge como um argumento mais contundente. 

Em 1136, o rei de Jerusalém, Fulque, confiou a proteção do castelo de Bethgibelin, ao sul da Palestina, diretamente aos Hospitalários, no intuito de deter o avanço das forças muçulmanas. Em 1142, o conde de Trípoli lhes doou o castelo do Crac, que viria a se tornar uma das fortalezas mais formidáveis no Oriente. A despeito da qualidade militar inerente das construções, tratava-se de uma instituição de caridade, e era característica do Hospital a solicitação pelo rei, bem como pelos cônegos do Santo Sepulcro, a participar da defesa do reino (GARCÍA-GUIJARROS RAMOS, 1998, p. 293-296). Outras evidências sugerem o caráter militarizado da ordem. Seu envolvimento em uma divisão de espólios com o Conde de Trípoli entre 1142 e 1144, assim como o direito de determinar tréguas com as forças muçulmanas sem o consentimento prévio do Conde, parece implicar em um considerável papel militar à época. Seja como for, seu Estatuto de 1181 é o primeiro documento a incluir o termo "irmãos de armas" e dispor a primeira menção oficial e específica à sua atividade bélica, prevendo um dia dividido em orações e discussões acerca de assuntos religiosos, e exercícios de recreação, manutenção física, trabalho e treinamento marcial.

Havia uma grande quantidade de elogios ao Hospital por sua assistência a doentes e miseráveis, mas a maior concentração destes elogios está registrada na parcialidade das cartas de doação. Não raramente os próprios membros das ordens militares conduziam elogios uns aos outros, oficializando sua “santidade pessoal”. Oposta a isso, havia uma crença bastante difundida entre o clero: como as ordens derramavam sangue, e não conseguiam manter vigílias tão constantemente como as demais ordens religiosas, sua militarização implicava em inferioridade, embora ainda fosse superior à dinâmica dos leigos comuns. Assim, sempre que um irmão pedia autorização papal para transferir-se da guerra para a oração, o papa a concedia de bom grado. 

No Hospital, essa tensão assistencialista evidenciou ainda mais a natureza de suas funções militares no entre as décadas de 1140 e 1160. Ao decidir focar-se em Damasco, a Segunda Cruzada, de 1148, foi um fracasso total. Raimundo de Le Puy, então líder dos Hospitalários, compartilhou desta decisão fatal, e a incapacidade de tomar a cidade com a consequente perda do Exército cruzado trouxe um fim ignominioso para a empreitada. Muitos inclusive culparam os Hospitalários pelo fracasso da Cruzada. Em 1158, Auger de Balben sucedeu a Raimundo de Le Puy e adotou o título de "Grão-Mestre", a exemplo dos Templários. Não obstante, ao final da década seguinte, a Ordem quase foi reduzida à falência em virtude de seu pesado envolvimento na contenção de campanhas egípcias em Jerusalém, onde emprestou mais de quinhentos cavaleiros e tropas mercenárias ao empreendimento cruzado. Sem condenar a integridade da Guerra Santa, o Papa Alexandre III (1159-1181) chegou instruir os Hospitalários a desistirem da luta e permanecerem em suas vocações originais, seguindo os costumes estabelecidos por seus antepassados e promovendo o amor e a misericórdia para com os pobres. Em outras palavras, servir aos pobres e doentes era espiritualmente superior a defendê-los com braços e armas.

Ademais, o Hospital recorrentemente recebia doações de toda natureza, ao contrário do Templo. Convenientemente, os leigos não tinham receio em aprovar os novos tipos de ordens religiosas. Em meados de 1130, uma Laureta deu tudo que possuía na vila de Douzens (no extremo sul da França) para “os cavaleiros de Jerusalém”, “corajosos seguidores do evangelho” que diariamente travavam conflitos contra os ímpios que tentavam “destruir as leis de Deus e seus respectivos seguidores”. Assumindo a legitimidade desta doação, ela claramente acreditava que os irmãos do Hospital estavam lutando batalhas em nome de Cristo, e que portanto justificavam-se como cavaleiros em Seu nome. Por volta da mesma época, Roger, visconde de Béziers, doou uma aldeia aos “irmãos que lutavam por Deus ao guardar e defender a cidade santa de Jerusalém”. 

A despeito das garantias de terras e privilégios, e suas eventuais ingerências, não é precisa a data em que os Hospitalários assumiram, de fato, seu caráter bélico. Documentos de 1136 a 1143 mencionam doações de armamentos e cavalos aos hospitais franceses e espanhóis, ainda que essas doações possam ter sido destinadas aos servos da Ordem e não à própria irmandade. Em meados dos séculos XII e XIII, as ordens militares assumiram uma posição crucial nos processos de reconquista, e em alguns destes processos a Ordem dos Hospitalários é anterior à dos Templários, sendo lembrada por tomar parte em muitas investidas e cercos. Presumivelmente pelo pioneirismo, os Templários eram primariamente vistos como sendo mais importantes do que os Hospitalários. Escritos relatam ocasionais proezas hospitalárias, mas são breves e humildes. 

Por exemplo, Ralph de Diss, decano da catedral de São Paulo na Londres de meados do século XII, registrou a batalha entre o Rei Balduíno IV e Saladino como um feito predominantemente Templário, ainda que seja sabido que Balduíno contou com um expressivo contingente hospitalário durante o conflito. Mais uma vez, em maio de 1187, Templários e Hospitalários travaram uma batalha contra as forças de Saladino nos arredores de Nazaré, mas ao Hospital não foi reservado qualquer relato particular (sabe-se apenas que, após a queda de Acre, os Hospitalários foram forçados a re-estabelecer a sua instituição no castelo de Margat). O “Peregrinorum Itinerarium” (o “Relato dos Peregrinos”) elogia a proeza templária, (comparando-a aos feitos de São Jorge) e a crônica atribuída ao supracitado Ernoul, um escudeiro na Terra Santa, apenas menciona que um dos mestres do Hospital foi morto em batalha (sem descrevê-la). Obras acerca da captura da Terra Santa por Saladino brevemente apontam os Hospitalários como guerreiros bravos e habilidosos, mas as crônicas estão longe de atribuírem especificidades relevantes.

Quando os escritores pretendiam romantizar ou escandalizar determinada atividade militar, eles eram mais propensos a usar os Templários, cuja campanha era mais assimilável e menos “crua” do que a que se desenvolvia no interior de uma instituição hospitalária. Este continuou a ser o caso ao longo do século XIII. Embora pela Quinta Cruzada (1217-1221) autores tenham dito muito mais sobre os feitos dos Hospitalários, os Templários ainda dominam espaço. Presente à cruzada, Oliver, professor da Catedral de Cologne, nos diz muito sobre a presença do Hospitalário nesta batalha, mas o detalhamento ironicamente está em sua covardia. De uma forma geral, até a perda definitiva do Acre para os muçulmanos em 1291, as outras ordens militares não conquistaram foco algum. 

Todavia, esta última batalha comumente tem como fator decisivo a morte do mestre do Templo, quando as crônicas a apontam como desencadeadora da queda da cidade. Segundo Helen Nicholson (1998), a melhor leitura do desastre, no entanto, está na “De excidio urbis Acconis” (“A destruição da cidade de Acre”), que nos inclina a uma visão diferente dos acontecimentos. Segundo ela, o mestre do Templo e os seus homens chegaram tarde ao combate, e pouco conquistaram. O verdadeiro herói da resistência presumivelmente foi o irmão Mateus de Claremont, marechal do Hospital, que teria destemidamente corrido em meio às tropas atirando inúmeros infiéis ao chão, até ser atingido por uma lança inimiga e finalmente “entregar-se a seu Criador”. “De excidio urbis Acconis” considera que os Templários estavam mais interessados ​​em difamar os verdadeiros heróis Hospitalários e pilhar a cidade, do que efetivamente protegê-la. Isso é fundamental na compreensão do motivo pelo qual Filipe IV da França puniu severamente os Templários no pós-conflito, enquanto o Hospital escapou ileso.

Após a perda definitiva do Acre, quando o Papa Nicolau IV pediu por sugestões de como a Terra Santa poderia ser recuperada, seus bispos fizeram inúmeros levantamentos sobre formas alternativas de reforma para a Ordem, no intuito de torná-la mais eficiente nessa recuperação. Não houve sugestões acerca de sua abolição total. O potencial de sua maleabilidade seria mais do que suficiente para solidificar o embate com o Islã. Enquanto o tesouro e a expansividade hospitalária rumavam ao zênite, as conquistas de seus “arquirrivais” do Templo estavam em decadência. Quase todos os Templários se refugiaram na França, onde, em 1312, o Rei Felipe impôs a sua supressão por razões de blasfêmia e heresia (SEWARD, 1972, p. 160-161).

Texto de autoria de Bruno Mosconi Ruy (UEM) e Jaime Estevão dos Reis (UEM), extraído da internet pelo Ir.´. José Roberto Cardoso, Obreiro da Loja Estrela D´Alva 16 - GMMDF.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DEMURGER, Alain. Os cavaleiros de Cristo: templários, teutônicos, hospitalários e outras ordens militares na Idade Média (séculos XI – XVI). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, Editor, 2002.

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GARCÍA, Florencio Huerta; FERNÁNDEZ, Nieves Esther Muela; CAMPOS, Irene Poveda de. Herencia y la Orden de San Juan (siglos XIII - XX). Ciudad Real, 1991.

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RILEY-SMITH, J. Hospitallers: the history of the Orders of St. John. London/New York: Continuum Publishing, 1999.

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SIRE, H. J. A. The Knights of Malta. New Haven e Londres: Yale University Press, 2005.

SMITH, Harrison. Order of Saint John of Jerusalem. Delft: Akker Print, Delft, 1977.



domingo, 9 de junho de 2013

SÃO JOÃO DE JERUSALÉM, O ESMOLER - NOSSO PATRONO




São João de Jerusalém, o Esmoler


A Maçonaria é uma doutrina filosófica assentada em princípios éticos e morais e traz em seu bojo aspectos que o tempo moldou no campo científico, místico, esotérico, filosófico e religioso. Sofreu as mais diversas influências culturais, principalmente dos povos da região da mesopotânia e dos egípcios e, mais tarde dos gregos e romanos.

No hemisfério sul há carência de documentos, obras literárias e científicas bem fundamentadas sobre a Arte Real para serem manuseadas e analisadas.

As potências maçônicas possuem suas escolas de estudos, de perfeição, capítulos, conselhos, consistórios e, também, uma quantidade enorme de curiosos dentre os quais me incluo.

É certo que o Maçom é livre pensador e que está sempre em busca da verdade e que essa verdade é sempre subjetiva mudando com frequência ao sabor do conhecimento ou do entendimento do pesquisador.

Ultimamente tenho observado dúvidas sobre quem dos São Joões é o Patrono ou Padroeiro da Maçonaria.

Existem muitas peças de arquitetura a respeito do assunto e, na mesma proporção, muitas dúvidas.

Fala-se em três Joões: João Batista, João Evangelista e João de Jerusalém, o Esmoler, sendo os dois primeiros mais famosos e ligados ao deus Janus e também ao Cristianismo.

De alguma sorte observamos que os princípios da Maçonaria estão atrelados às virtudes teologais: fé, esperança e caridade e tiveram, pelo menos no periodo monacal, grande influência da Igreja Católica.


São Bento de Núrsia

São Bento, nasceu em Núrsia no ano de 480 e faleceu em Monte Cassino no ano de 547. Era filho de família nobre romana e na sua juventude estudou em Roma. Fundou a Ordem monástica dos Beneditinos que embora vivessem reclusos se dedicavam à construção de Igrejas, Catedrais e Hospitais e, também, muito expressivamente às causas filantrópicas. A maçonaria operativa se divide em duas partes, o período monástico dos monges e o período dos construtores leigos.

Pouco depois da morte de São Bento, nasceu no ano de 550 d.c, em Amathunt, cidade de Chypre, na Itália, em Amanhut, na Ilha de Chipre, São João de Jerusalém, o Esmoler, também filho de família nobre, que se tornou o Patriarca de Alexandria. São João se dedicou inteiramente aos mais carentes a quem chamava de “meus senhores”. No período em que exerceu esse cargo se dedicou a reconstruir Igrejas destruídas no Egito e no Oriente Médio e também a construir hospitais para cuidar dos pobres. 

Logo após sua posse, quando se assentou na cadeira de patriarca de Alexandria chamou os seus mordomos e lhes disse:

“Não é justo tenhamos cuidado de alguém primeiro de que Cristo ide pela cidade colher informações e organizai uma lista de todos os “meus senhores”. 

Essa ordem surpreendeu aos auxiliares do ilustre prelado, pois ninguém sabia quais eram os senhores do patriarca e, indagado sobre isso disse:

“São os pobres porque eles me podem dar entrada no Reino dos Céus”.

Uma semana depois se preparou São João Esmoler, como fazia todos os dias, para receber as súplicas e remediar as queixas dos miseráveis e necessitados. Passaram-se várias horas e chegou a noite sem que ninguém o procurasse. Pôs-se o santo muito triste e pensativo, e, interrogado por um de seus íntimos, explicou:

“Hoje a ningém fiz bem, nem pude oferecer, em desconto de meus pecados, o mínimo sacrifício”. (1)

Segundo Alain Demurger, a construção dos primeiros hospícios ou hospitais foi estimulada pela generosidade e pela insistência dos fiéis e só foi alcançada através da assistência principesca (DEMURGER, 2002, p. 27-28). Em meados do século VI, o Patriarca de Alexandria, João o Esmoler, tinha criado e equipado inúmeras destas instituições. De acordo com o pesquisador Harrison Smith, ele auxiliou os pobres e aconselhou a todos aqueles que se abrigavam em seus domínios. Para João, não havia insignificância em qualquer pedido de caridade. Após o saque em Jerusalém, em 614, ele também prestou ajuda aos refugiados e enviou grandes quantidades de recursos para o alívio da cidade.[2]

Quase quinhentos anos após sua morte, os monges beneditinos, inspirados em sua obra fundaram, por volta do ano 1.070, a Ordem dos Cavaleiros Hospitalários, construindo hospitais e cuidando de enfermos e, principalmente dos feridos durante as lutas nas cruzadas. O Primeiro Grão-Mestre dessa Ordem foi Geraldo de Tun. Posteriormente, Godofredo de Bulhão dedica grande soma a fundação de um hospital que recebeu o nome de São João Batista, mas o nome desse santo nada tinha a ver com as questões da Hospitalaria.

Cavaleiro Hospitalário

A pesquisa sobre a origem dos Cavaleiros Hospitalários e a dedicação às causas da Hospitalaria e da benemerência envolvendo os monges beneditinos e São João Esmoler merecem ser feitas com carinho e dedicação, em um trabalho mais amplo, até porque mais tarde esta Ordem se transformou na Ordem dos Cavaleiros de Malta e dará origem às “Santas Casas de Misericórdia”, hoje, quase sempre, além da ajuda da Igreja, mantidas por beneméritos e pelo Estado.

Em nossas pesquisas encontramos referências feitas de forma incorreta sobre São João de Jerusalém. Algumas o citam como se tivesse deixado toda a riqueza para viver entre os cruzados e criar a Ordem dos Hospitalários e isso é totalmente inviável, pois viveu entre os anos de 550 e 619, na Ilha de Chipre.

Na verdade o que houve em 1070 foi a criação da Ordem pelos monges beneditinos tendo como base o exemplo de São João de Jerusalém, o Esmoler.

Há um mito também sobre João de Escócia. Diz-se mito porque não se encontra nenhuma base de sustentação para essa hipótese.

Os outros São Joões são santos bíblicos e a Igreja teve muita influência sobre os leigos na Idade Média.

É bom que se ressalte que nos primeiros séculos do primeiro milênio a Igreja teve um duro trabalho de convencimento diante dos romanos, principalmente aqueles ligados às legiões romanas, uma vez que se dedicavam ao mitraismo.

Nessa luta a igreja teve que adotar determinados costumes e incutir na cabeça dos soldados romanos a idéia de que Jesus havia nascido no mesmo dia em que nasceu o “Sol Invictus”. Aliás, a grande maioria dos deuses pagãos da antiguidade tinham seus nascimentos comemorados no Solstício de Inverno.

A Igreja católica adotou a Eucaristia, a Mitra, a Chave de São Pedro e vários outros simbólismos daquela religião, mantendo em substituição às chamadas festas saturnálias a comemoração das festas natalinas.

O Cristianismo, uma vez implantado, tratou de extirpar toda a tradição pagã até então existente em Roma, que era ditada pelo mitraísmo.

As festas solsticiais em homenagem ao deus Janus ocorriam em 21 de junho e 21 de dezembro, dias de entrada e saída do verão e inverno, respectivamente, no hemisfério norte. No hemisfério sul, ocorre o contrário.

Os santos bíblicos João Batista e João Evangelista estão ligados aos dois solstícios (verão e inverno). No primeiro (24/06) se comemora o nascimento de São João Batista e no segundo (27/12) se comemora o aniversário de João Evangelista.

As evidências da importância desses santos na maçonaria se dão por conta de serem famosos e representarem esses aspectos simbólicos e místicos.

São João Batista


São João Batista poderia ser chamado tranquilamente como o Patrono dos Aprendizes por representar “aquele que inicia”, ou seja, que batiza. Os aprendizes após iniciados tomam acento na coluna do norte, que é a coluna de São João Batista. Aliás, naquele mesmo lado do Templo está a coluna zodiacal de Câncer que também é representada como sendo a “coluna dos homens” e por ser onde na data (22/06) ocorre o Solstício de Inverno no hemisfério sul.


São João Evangelista


São João Evangelista, da mesma forma, poderia ser o patrono dos Companheiros por ser aquele que catequisa, que ensina. Os companheiros tomam assento na coluna do sul, que é a Coluna de João Evangelista e onde se situa a coluna de Capricórnio, que é a “coluna dos espíritos” e ali se dá o Solstício do Verão no hemisfério sul (21/12).


Aliás, há na maçonaria uma cena um tanto quanto estranha que é a de São João simbolizando aquele que trai e tem a cabeça cortada. São João Batista nunca foi um traidor, muito pelo contrário.

Pois bem, para finalizar a nossa simples pesquisa, deixamos bem claro que nenhum dos santos bíblicos está representado nas obras de filantropia ou de hospitalaria desenvolvidas pela maçonaria.

São João de Jerusalém, o Esmoler, é o patrono dos nossos Irmãos do Rito Adhoniramita e com razão, pelo que pude concluir, respeitando, logicamente aqueles que pensam de forma contrária. A maçonaria se dedica a fazer a humanidade feliz e a transformação espiritual do homem em direção à luz.

Era a esses irmãos que o Cavaleiro André Michel de Ransay se referia em seu famoso discurso de 26 de dezembro de 1736, onde disse:

“nossos antepassados, os Cruzados, reunidos de todas as partes da Cristandade na Terra Santa quiseram reunir assim, numa só Confraria, os indivíduos de todas as nações (....)”. Certo tempo depois, (a) Ordem se uniu aos Cavaleiros de São João de Jerusalém. Desde então nossas Lojas trouxeram todas o nome de Lojas de São João. Essa união foi feita a exempo dos israelitas, quando construiram o Segundo Templo. Enquanto manejavam a trolha e a argamassa com uma mão, traziam na outra a espada e o escudo.(....)[3]

Eis aí, portanto, a razão das Lojas maçônicas, até hoje, serem conhecidas como Lojas de São João.Vem desses irmãos cavaleiros, não só a tradição arquitetônica, propriamente dita, aplicada especialmente na construção de asilos, hospitais, mosteiros e outras obras públicas, mas principalmente a atuação filantrópica que se observa na Ordem maçônica. Tanto que Lojas de hoje ainda se mantém a tradição de nomear um irmão “hospitaleiro” para recolher as contribuições dos irmãos para o “hospital”. [4]

Assim, a história dos hospitais filantrópicos está intimanente ligado às origens e às tradições da maçonaria. Podemos dizer, sem nenhum constrangimento, que foi o braço filantrópico e piedoso dos irmãos cavaleiros que deram origem a esse importante equipamento de saúde, que ainda hoje responde por uma boa parte dos serviços médicos e assistenciais que servem à população carente do mundo ocidental. 
Destarte, embora as Santas Casas de Misericórdias sejam, inegávelmente, uma concepção da Igreja Católica, delas não se pode isolar a valiosa contribuição maçônica. Principalmente nos dias de hoje, há uma grande participação da Ordem na gestão dessas entidades. Na grande maioria das cidades brasileiras são maçons os dirigentes das Misericódias. Esse é um trabalho que engrandece a maçonaria e enche os maçons de todo o mundo de justo orgulho.

É bom ressaltar que entre nós temos os nossos Irmãos Shiriners que se dedicam a essa área de filantropia.

Com base nas evidências apresentadas e nos trabalhos consultados posso afirmar que o nosso Patrono é São João de Jerusalém, o Esmoler.

Ir.´. José Roberto Cardoso-MM
Loja Estrela D´Alva nº 16 – GLMDF


BIBLIOGRAFIA:


1. Ritual do Aprendiz Maçom

2. Biblia Sagrada

3. Trabalho de pós graduação de Bruno Mosconi Ruy e Jaime Estevão dos Reis (UEM).

4. Trabalho do Ir.´. Hercule Spoladore – Loja de Pesquisas Maçônicas “Brasil”, intitulado “Santos Padroeiros da Maçonaria, seu simbolismo e sua relação com as religiões católica e pagã.

5. Bibliografia citada como referência de consultas no trabalho de pós-gradução:

DEMURGER, Alain. Os cavaleiros de Cristo: templários, teutônicos, hospitalários e outras ordens militares na Idade Média (séculos XI – XVI). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, Editor, 2002.

FOREY, A. J. Novitiate and instruction in the military orders during the twelfth and thirteenth centuries. In: SPECULUM, Vol. 61, nº 1, 1986, p. 1-17.

FOREY, A. J. Military orders from the twelfth to the early fourteenth century. London: Macmillan, 1991.

GARCÍA, Florencio Huerta; FERNÁNDEZ, Nieves Esther Muela; CAMPOS, Irene Poveda de. Herencia y la Orden de San Juan (siglos XIII - XX). Ciudad Real, 1991.

GARCÍA-GUIJARROS RAMOS, Luis. La militarización de la Orden del Hospital: líneas para un debate. In: Ordens Militares: guerra, religião, poder e cultura. Actas do III Encontro sobre Ordens Militares, Vol. 2. Lisboa: Edições Colibri e Câmara Municipal de Palmela, 1998, p. 293-302.

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NICHOLSON, Helen. The Knights Hospitaller. Woodbridge: The Boydell Press, 2001.

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RILEY-SMITH, J. Hospitallers: the history of the Orders of St. John. London/New York: Continuum Publishing, 1999.

SEWARD, Desmond. The Monks of War. Londres, Eyre Methuen: 1972.

SIRE, H. J. A. The Knights of Malta. New Haven e Londres: Yale University Press, 2005.

SMITH, Harrison. Order of Saint John of Jerusalem. Delft: Akker Print, Delft, 1977.

6. Sites da internet.


[1] Lendas do Céu e da Terra (Malba Tahan). 

[2] Trabalho de Pós Graduação de Bruno Mosconni Ruy e Jaime Estevão dos Reis, ambos da UEM (Universidade Estadual de Maringá, intitulado A ORDEM DO HOSPITAL: DO REINO DE JERUSALÉM À QUEDA DE ACRE (1099-1291) 

[3] (1) Jean Palou- Maçonaria Simbólica e Iniciática- Ed. Pensamento, 1968 

[4] (2) Hospital, na maçonaria,se refere às obras filantrópicas praticadas pela Loja.