sexta-feira, 2 de setembro de 2016


O FIO DE PRUMO


Pesquisa: José Roberto Cardoso



Na abertura do Livro da Lei, no Grau de Companheiro Maçom, lemos o seguinte versículo:

                                                              “Assim me fez ver : Eis que o Senhor estava de pé sobre um muro e Iahweh me disse: Que vês, Amós? Eu disse: Um fio de prumo. O Senhor disse: Eis que vou pôr um fio de prumo no meio do meu povo, Israel, não tornarei a perdoá-lo” (Am 7:7-9)

Mas por quê esse texto foi escolhido?

Primeiro precisamos saber quem foi Amós e na sequência teremos os motivos pelos quais a Maçonaria adotou este versículo.

Todos sabemos que a doutrina maçônica está assentada na filosofia judaico-cristã.

Amós foi um dos 12 profetas menores do Antigo Testamento e autor do Livro que leva o seu nome. Nasceu em Tecoa, cidade a cerca de 20 Km, nos limites do deserto de Judá, a Sudeste de Belém e faleceu no ano de 745 a. C.. Também era um homem de família humilde.

O “Profeta” Amós foi o introdutor do monoteísmo universal e criticava no seu livro, a hipocrisia religiosa, os costumes impuros e a corrupção no governo. Amós pedia para o povo estudar para deixar de serem escravizados, para purificarem suas mentes com a prática da virtude, aplicando as tradições dos antepassados para o retorno à estrutura de um povo forte e respeitado (essa crítica era dirigida, na época, principalmente a Judá e Israel). Amós era um cultivador de sicômoros[1], árvore que servia para a construção. Ele anunciava que os muros dos Templos, dos Tribunais e das casas dos hebreus iriam todos cair, pois foram construídos sem as ferramentas que lhes conferem a devida estabilidade. Conhecimento que foi esquecido por preguiça ou por soberba. Aqui, o prumo aparece como símbolo de retidão moral e intelectual. Amós deixa claro a imperdoável falta cometida pelo povo de Israel.

Amós era um “no·qedhím”, ou seja, “criador de ovelhas”, e a presença dessa palavra só ocorre em mais um lugar na Bíblia (2Rs 3:4), e está relacionada com naqqad, palavra árabe para uma raça especial de ovelhas, um tanto desgraciosa, mas de grande valor, por causa do seu velocino[2]. Lá naquela região selvagem, Amós também se empenhava em trabalhos servis temporários como riscador de figos de sicômoros, uma variedade considerada alimento apenas para os pobres. O costume de riscar ou pungir os figos destinava-se a apressar seu amadurecimento, e aumentar o tamanho e a doçura dos frutos. — Amós 7:14;

Semelhante ao pastor Davi, que foi chamado ao serviço público por Deus, assim também “Jeová passou a tomar [Amós] de atrás do rebanho”, e fez dele profeta. — Am 7:15.

Da solidão do ermo no Sul, Amós foi enviado ao idólatra reino de dez tribos, no Norte, com sua capital Samaria.

Amós começou sua carreira como profeta dois anos antes do grande terremoto que ocorreu no reinado de Uzias, rei de Judá. Ao mesmo tempo, Jeroboão II, filho de Joás, era rei de Israel. (Am 1:1) Por conseguinte, a profecia de Amós se situa em algum tempo do período de 26 anos, de 829 a cerca de 804 AEC, quando os reinados destes dois reis, de Judá e de Israel, coincidiram. O grande terremoto, que ocorreu dois anos depois de Amós ter sido comissionado como profeta, foi de tal magnitude que, quase 300 anos depois, Zacarias fez menção especial dele. — Za 14:5.

É incerto por quanto tempo Amós serviu qual profeta no reino setentrional. Amazias, o iníquo sacerdote adorador de bezerros, da religião estatal centralizada em Betel, tentou expulsá-lo do país, à base de que ele era uma ameaça para a segurança do estado. (Am 7:10-13) Não se revela se Amazias teve êxito nisso. De qualquer modo, ao se cumprir a missão profética de Amós junto a Israel, ele presumivelmente voltou ao seu território tribal nativo de Judá. Jerônimo e Eusébio relatam que o sepulcro do profeta, nos dias deles, estava localizado em Tecoa. Também parece que, depois de retornar a Judá, Amós assentou por escrito a profecia que de início fora proferida oralmente. Ele é com frequência chamado de um dos 12 profetas “menores” (seu livro sendo catalogado em 3. ° lugar entre os 12), todavia, a mensagem que proferiu de modo algum é de pouca significância.

O seu ministério foi exercido no século VIII a. C. durante os reinados dos Reis Uzias (ao sul de Israel) e Jeroboão II (ao norte de Israel). Sua obra foi marcada por uma profunda crítica social e religiosa. Ele denunciou a desigualdade social de seu tempo, bem como o uso idólatra da religião, transformada em mero instrumento que serve à alienação e usada como fachada para a iniquidade.

O Profeta Amós é um revolucionário, um socialista de seu tempo que não se deixou levar pelas aparências de uma época marcada sobretudo pela prosperidade material. Contudo, mesmo com abundância, o povo de Israel passou por uma profunda inversão de valores, deixando-se levar pela soberba, ganância, luxúria e todo tipo de perdições.

Dessa forma, a obra de Amós é caracterizada pela crítica ao enriquecimento da sociedade à custa dos pobres; ao suborno e corrupção de juízes nos tribunais; à opressão, violência e à escravidão dos pobres; ao comportamento das mulheres ricas, que para viverem no luxo, estimulavam seus maridos a oprimirem os fracos.

No que toca à religião, Amós denuncia seu caráter meramente ritualístico e vazio. Assim ele diz em seu livro: “eu odeio, eu desprezo as vossas festas e não gosto de vossas reuniões. Porque, se me ofereceis holocaustos não me agradam as vossas oferendas e não olho para o sacrifício de vossos animais cevados. Afasta de mim o ruído de teus cantos, eu não posso ouvir o som de tuas harpas! Que o direito corra como água e a justiça como um rio caudaloso.

E dentro desse contexto de críticas, Amós, na terceira parte de seu livro, relata cinco visões, sendo que a terceira delas interessa de forma particular à maçonaria. Trata-se da visão do fio de prumo. No capítulo 7, versículos 7 e 8, Amós assim relata: “Assim me fez ver: Eis que o Senhor estava de pé sobre um muro e tinha sobre a sua mão um fio de prumo. E Iahweh me disse: Que vês Amós? Eu disse: Um fio de prumo. O Senhor disse: Eis que vou por um fio de prumo no meio do meu povo, Israel, não tornarei a perdoá-lo”

Ora, é o Senhor mesmo Quem estava sobre o muro na visão de Amós. E o prumo que segurava em Suas mãos é altamente revelador. Ele revela nossa intrínseca tortuosidade, nosso desalinhamento e desequilíbrio moral.

Da mesma forma como o pedreiro se utiliza do prumo para procurar falhas na obra em que se debruça, assim se dá quando Deus coloca seu prumo em nossas vidas, fazendo aparecerem todas as falhas, todas as misérias escondidas em nossos olhares dissimulados, em nossas palavras vazias e em nossas ações e omissões egoístas.

Mas o que é este prumo de Deus em nossas vidas? Será a Bíblia (ou qualquer outro livro sagrado, ou doutrina que seguimos?). Será nosso caminho pessoal? Os padrões sociais e políticos de nosso tempo? Nossa consciência?

A Ordem Maçônica tenta nos mostrar qual será este prumo na vida particular de cada maçom, transmitindo por meio de alegorias e símbolos antigos mistérios que podem ser traduzidos em retidão moral e bons costumes para aquele que de fato os persegue em seu íntimo construtor.

Mas há um fato curioso nesta passagem. Nem mesmo Deus julgou aleatoriamente o seu povo. Antes disso, Ele passou sobre nós o seu prumo sagrado, para que toda falha fosse posta às claras. Assim, não cabe ao Homem passar seu prumo particular na parede alheia, achando-se ridiculamente capaz de medir os erros de seu irmão com a medida própria. Não cabe em nós tamanho amor para realizar essa tarefa de sublime construção da alma do nosso próximo. Isto é assunto entre o Pai e seu filho, porque no prumo do homem há juízos e preconceitos, medidas diferentes alicerçadas na miséria de nossa alma. Mas o prumo de Deus contém a dádiva do arrependimento e a certeza da retidão no amor maior de sua caridade.

O prumo de Deus revela nossos pecados à luz do dia, não deixando nada a coberto. E ao lança-los à luz, Ele espera de nós tão-somente humildade e trabalho para quebrarmos nossos tijolos mal assentados e recomeçar nossa obra fundada na promessa de que O seguindo encontraremos pela frente apenas consequências do Amor.

Na caminhada do Companheiro Maçom, durante seu aprendizado é fundamental a prática da virtude. Virtude se reflete na tolerância em relação às opiniões alheias, na fraternidade para com os indigentes, no socorro aos que sofrem, no consolo aos aflitos e na instrução aos ignorantes. O prumo simbolizando a elevação do espírito do ser humano, representa a reunião de todas as virtudes onde a Justiça forma o sustentáculo de toda uma sociedade democrática e igualitária – um fim que Amós buscava com suas pregações/críticas na época, ao povo de Israel. Convém lembrar que, na passagem bíblica que representa a abertura da Loja no Grau de Companheiro, o prumo encontra-se na mão de Deus e não nas mãos do profeta, de onde podemos concluir que, como Companheiro devemos colocar o prumo em nossas vidas para que possamos perceber nossas falhas e então, corrigi-las, e não se fazer de prumo e iniciarmos o questionamento de outros irmãos quanto ao seu desvio de conduta. “A função do prumo na Maçonaria não é revelar falhas ou defeitos para arrastar-nos a Juízo e desespero. A função do prumo é revelar falhas e defeitos, para que possamos renascer a cada dia, lapidar a pedra bruta que somos e encontrar a verdade, a justiça e a perfeição”


[1] Sicômoro - Ficus sycomorus, conhecida pelos nomes comuns de sicómoro, sicômoro ou figueira-doida, é uma espécie de figueira de raízes profundas e ramos fortes que produz figos de qualidade inferior, cultivada no Médio Oriente e em partes da África há milénios.
[2] Velocino = a pele do carneiro, da ovelha, do cordeiro recoberta com sua lã; velo.

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